segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Agora, é claro

Esse foi o ano em que eu cometi um erro de informação, esse foi o ano em que eu fiquei confuso com quase tudo, foi o ano em que acabou uma importante relação. De 2013, vou levar um misto de receio, solidão e incertezas.

Esse foi o ano em que eu recuperei a vontade de fazer jornalismo, foi o ano em que eu me aproximei ainda mais dos meus amigos (e fiz novos), foi o ano em que a vida mais me moldou. De 2013, vou levar um misto de alegria, certezas e aberturas.

Ninguém é feito só de coisas boas ou só de coisas ruins, por mais que a gente venda apenas o que acontece de positivo conosco – principalmente nas redes sociais. Tive momentos bem ruins, inclusive, e em maior escala do que os bons em 2013. Deixei de escrever durante muito tempo, deixei de acreditar nas minhas qualificações, neguei trabalho, neguei amores, abracei o descaso, abracei o desânimo. A maioria por medo, e o medo veio da falta de certeza que os términos trazem. Fui negligente com algumas pessoas, tive inveja.

Em uma época que cada vez mais abafamos o que temos de “ruim” (mas que também constituem o que somos), e nos maquiamos de “super pessoas” para nos apresentarmos devidamente àquela vaga de trabalho, àquele interesse amoroso, ou até mesmo para um perfil da rede social, assumir as suas falhas é cada vez mais complicado.

Venho pensando, entretanto, que somente soltando e entendendo o que de pior há em mim será possível saber quem eu realmente sou.  

Não escrevo isso, então, como um exercício de exibicionismo torto, mas porque sinto que é necessário e, também, para deixar registrado que um ano ruim é normal. E que atos falhos acontecem, é só não deixar que eles tomem conta de si – e te atrapalhem depois.

Mas falar isso é fácil.

Não sei onde as pessoas encontram forças, onde encontram os ânimos para seguir adiante. Venho descobrindo, entretanto, como isso funciona em mim e acho que passa por abandonar o que não me faz bem, por se arriscar mais e saber registrar o que deve ser registrado. Sobretudo, escrever. E 2013 precisa ser registrado para que o ano que vem seja diferente. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A vida pede

Nasci em rua sem saída.

Logradouro abaixo é a Padre Antônio Vieira
que no fim encontra a compadre
Luis de Camões.

Devem conversar em tom de sermão,
oratórias e epopeias salgadas daquele
mar de lágrimas de Portugal.

Mas eu nasci em uma rua sem saída.

Onde falta luz a cada quinze dias,
bocas sujas falam mal de outras bocas;
vizinhos inertes vendem cocaína.

Chapados percorrem as ruas do bairro
desdenhando fome,  e
na esquina tem uma igreja
chamada Santo Antônio
das causas franciscanas.

É bonito aqui quando dá gente.
Em dia de missa,
hora escolar,
13 de junho.

A noite é quente e algumas crianças
ainda jogam bola na rua.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Carta 13

Aposto que você não está fazendo nada do que disse que iria fazer, quando resolveu sair lá de casa. Ah, sim, eu me lembro como se fosse hoje – apesar de já fazer um tempo. Precisava ter novas experiências para se conhecer melhor, precisava cair no mundo para ver se se reconhecia nele (sei que não foi bem nessas palavras, mas foi quase isso). E isso tudo não dava para fazer a dois, obviamente. E então eu gostaria de te perguntar: você está tendo as tais novas experiências? Você está enlouquecendo na vida? Fazendo aquelas coisas que você queria ter feito e não conseguiu porque é toda problemática, ou simplesmente por ser medrosa? Sei que é meio ridículo perguntar, mas é que sinceramente estou curioso em relação a isso tudo. Mas essa é uma carta que não será entregue, porque eu não preciso que ela seja entregue, eu só preciso que a pergunta fique no ar, que saia de mim e se espalhe por aí, para morrer em seguida, espero. Para morrer em algum lugar entre esse apartamento meio abandonado e um carteiro gordinho que entrega a sua carta no início da tarde. A verdade é que ela morre aqui no papel, no ponto final. 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Meus cinco anos de Bailei na Curva

Nesse outubro, a peça “Bailei na Curva”, do diretor Julio Conte, está completando trinta anos. A obra é considerada um clássico moderno do teatro gaúcho, que influenciou e mudou o panorama das artes cênicas aqui no estado, inclusive, fazendo sucesso em outros lugares do País. Porém, mais do que toda essa importância para o campo social e cultural, “Bailei na Curva” também tem papel muito importante para mim, explico: foi o tema da minha primeira matéria para um jornal, cinco anos atrás, justamente sobre os 25 anos da peça.


Quem quiser ler o texto, ele tá aqui.

Meu primeiro estágio, na realidade, foi no Rádio da Universidade (UFRGS), na qual o então diretor André Prytoluk, professor do curso de Publicidade da mesma instituição, me deu a vaga após uma breve conversa. Fiquei por lá por cerca de seis ou sete meses, apesar de ser um bom legal para aprender, eu tinha um grande interesse em descobrir o jornalismo impresso – e o Jornal da Universidade parecia o lugar ideal para isso. Aí, acabou surgindo uma vaga por lá, e como a seleção ainda não era realizada por testes, acabei sendo indicado pela Sandra de Deus, então secretária de comunicação e também professora da UFRGS, para uma vaga no JU (apelido carinhoso do impresso). 

E, então, tudo começou de fato para mim. Acredito que foi por lá que moldei algumas das minhas crenças e costumes que carrego comigo até hoje, nesse pouco tempo de “carreira” (não gosto muito do termo, mas...). Conheci excelentes profissionais, em especial a Ânia Chala e a Caroline da Silva. Apesar de, no nome, ser um jornal, na verdade a publicação está bem mais para revista, em seu espírito editorial e tempo de publicação (é mensal). Talvez pelo maior período de apuração e edição da matéria e também mais espaço (é um jornal padrão standard), sentia-me mais propenso a ser criativo e, como era a primeira matéria que ia produzir, queria que ela ficasse muito boa - então, realmente me puxei. Não me recordo exatamente como essa pauta caiu para mim, mas era na área da cultura, e me lembro de que sempre quis trabalhar por aí, então fiquei muito satisfeito. Havia visto a famosa peça no colégio, mas não me recordava exatamente dos detalhes e do contexto. Encontrava-me no terceiro ou no quarto semestre da faculdade, ainda não tinha aulas mais técnicas de texto. Foi tudo no feeling apoiado na ideia de escrever uma matéria interessante, em três atos, fazendo uma espécie de brincadeira com o roteiro de uma peça de teatro. Entrevistei quase todos os atores da primeira geração do espetáculo e alguns da nova, assim como o crítico Antonio Hohlfeldt, o ator Zé Victor Castiel e, é claro o diretor Júlio Conte (escrevi sobre essa experiência aqui). Realmente entrei na história e produzi um texto gigante e, claro, um pouco pretensioso, acho que tinha algum parêntese no título, originalmente, e também tinha a ideia de fazer o primeiro parágrafo de cada cena, como se fosse descrevendo a época, no mesmo formato de um roteiro de uma peça. Na minha cabeça ficava bem...

É aí que entra a importância da Carol, que me ajudou bastante durante a produção dando dicas de como seguir na matéria e de quem entrevistar e orientações do texto também para buscar aquela almejada clareza e tirar os preciosismos, que não combinam necessariamente com um texto jornalístico – ou sim, depende do momento. Também, é claro, orientação da Ânia, e a edição do texto principalmente pós-produção, deixando mais limpo e coeso, e me chamando para me orientar, quando fazia isso. É o modo como um editor deve agir, ainda mais com um estagiário que, em tese, está aprendendo. Descobri que jornalismo se faz em conjunto. Por essas e outras, o JU foi um grande lugar para trabalhar. Por essas e outras, eu gostei da ideia do jornalismo impresso, da área cultural. Uma das coisas que me marcou nessas entrevistas sobre “O Bailei na Curva” era o modo como eles acreditavam naquilo que eles criaram, a força da expressão artística e da criação sempre me interessou e, nesse momento, aquilo me despertou para o jornalismo cultural também, e toda a sua responsabilidade de ser algo além da simples divulgação. Começava a criar em mim a crença de que o aprofundamento é algo necessário no jornalismo, o ímpeto de que a reflexão sobre a pauta e o objeto a ser discutido deve ir muito além do que a simples informação – apesar, é claro, de entender hoje que tudo é necessário.

Mas foi por lá, em algum momento nessa matéria, que tudo começou a se formatar para mim. Se eu pudesse falar com o Rafael Gloria daquela época, eu agradeceria. 


domingo, 13 de outubro de 2013

Sobre festas e seis tipos de pessoas que se encontram nelas – Teoria número trinta e quatro



Se não me engano, comecei a frequentar festas com 14 ou 15 anos, tendo agora 25 outonos, posso dizer que em dez anos já fui em muitas, muitas festas. Festas sempre me causaram alguma sensação, seja um estranhamento, epifania, diversão, raiva, carinho, tristeza, paixão. É. Não entendo a aversão que algumas pessoas têm a festas, acredito que seja um ótimo campo de estudo do comportamento humano. Esse também é um dos pontos que mais me interessa aqui. Não importa o tipo de festa, mas, mesmo assim, vou enumerar alguns elementos para classificar o conceito de festa que estou me referindo. Elas acontecem à noite, em um clube ou ambiente fechado (residência), há bebida alcoólica, você está pagando para entrar e o som é mecânico, ou há um DJ tocando. 

Acredito que quase todo mundo já frequentou uma assim. 

Explicando um pouco desses elementos, todos eles contribuem para influenciar um estado diferente na pessoa. A noite sempre foi um aspecto interessante, primeiro porque ela é misteriosa e complexa por excelência, e principalmente porque durante o dia, normalmente, estamos presos às obrigações corriqueiras – seja no trabalho, ou estudando. O dia é onde funciona o sistema. À noite também, é claro, mas ela é mais livre, suas horas não são contadas no fundo de previdência, então, a princípio, é um lugar propício para a pessoa ser mais autêntica, para assumir comportamentos diferentes do cotidiano. Delimitei o espaço de um ambiente fechado, clube ou residência, porque festas em ambiente aberto têm outra proposta – talvez mais interessante que as fechada, mas não é o caso da discussão. Delimitar um ambiente já é delimitar barreiras para uma festa, e isso é o aspecto interessante aqui. É uma festa “fechada”: aquelas pessoas estão ali para serem notadas, e notar alguém. Parece-me, inclusive, quase claustrofóbico pensar que se está em um ambiente assim, quase sempre cheio e com música alta – e que você está pagando por isso. O que me leva ao fato do dinheiro. Festa é também um produto, pensada para ser vendida e consumida; sim, há um publicitário por trás da temática da festa, que está fazendo o trabalho dele tentando comercializar aquele conceito para você. E você deve pagar para entrar naquele mundo (festa) criado nos cartazes e nas redes sociais. Só que o ato de pagar já nos traz a ideia de que temos que conseguir algo em retorno. Não parece coerente? Você vai ao supermercado para comprar batatas, para matar sua fome, e você paga por aquilo. Você vai a uma festa para quê? Qual o intuito? Diversão? Conhecer outra pessoa? Dançar? É muito mais abstrato e também mais interessante, já que não é garantido que você vá sair satisfeito. O som deve ser mecânico, sem apresentação ou shows, porque, daí, já se perde a característica de festa no sentido mais clássica. Se fosse um show ou uma apresentação, teríamos um público, uma plateia. E são coisas diferentes. Por último, e não menos importante, o fator alcoólico, que também é vendido no local. Em uma festa, é comum a pessoa beber um pouco mais além da conta. O álcool pode ser transformador, revelador, pode te deixar louco, feliz, triste. Depende muito do seu estado, e de como ele funciona em você. Então, beber é uma escolha e de certa forma, pode servir como uma mutação.

Dito isso, vamos para os seis tipos de pessoas que se encontram em festas (esclarecendo que essas pessoas podem ser você mesmo em diferentes fases da vida):

       O desiludido feliz ou o triste iludido.

Em toda festa há aquela pessoa que está puta da cara ou infeliz com alguma coisa na vida e vai para a festa com o único intuito de esquecer tais acontecimentos. Provavelmente essa pessoa acordará com uma dor de cabeça horrível no dia seguinte, mas aproveitará a festa, bebendo um monte, dançando como se não houvesse amanhã e, de repente, atacando várias pessoas na noite. Cuidado, ou não.

      O julgador

É aquela pessoa que foi arrastada para a festa, ela não queria ir a princípio, mas seja lá por que motivo conseguiram levar a criatura até lá. E lá vai ela ficar em um canto, com a cara emburrada, pensando porque essas pessoas estão lá bebendo, ouvindo música ruim, etc. Julgando todos os outros a partir da sua visão de mundo.

       O vida loka

É quem está sempre nas festas, ele conhece todos os lugares que mais bombam na cidade. Conhece os DJS, é amigo das hostes, e ganha free nas festas. Normalmente, adorado por todos, é ele quem movimenta a festa e traz o espírito da diversão juvenil e estúpida – altamente necessária para a vida – ao restante das pessoas. Essa pessoa nunca para, está sempre circulando na festa e entre as festas.

       O Casal

Essa é para aqueles casais que são praticamente um só, porque não se desgrudam em nenhum momento. Inclusive nas festas. A época de sair deles já passou,  de repente já foram “vida loka”, mas agora estão felizes juntos e assistindo filmes de comédia da década de cinquenta sábado à noite bebendo cerveja. Mas para mostrar que ainda estão jovens eles vão a festas de vez em quando. E daí tem vários subtipos de casais em festas, desde os altamente liberais, até os conservadores. Qual é o seu?

       Só vim para caçar

Outra figura carimbada em festas é a pessoa que está lá para se divertir, mas também para caçar. Ele(a) não parecem ficar satisfeitos até conseguirem chegar e trovar a maioria das pessoas da festa. E não sossega até conseguir ficar com pelo menos alguém. Muitas vezes acaba se frustrando se sair de mão abanando. Na verdade, tudo isso costuma  esconder uma grande carência.

        Mais uma foto, por favor

Essa é uma tendência nova e que começou nessas festas de clube e também com o crescimento das redes sociais e da ideia de compartilhamento. São as pessoas que tiram várias e várias fotos na festa e compartilham em seus perfis na internet. Nada mais natural na nossa época e é uma forma da festa se perpetuar a própria festa nos comentários de amigos e comentário do dia seguinte. Também é uma boa forma de se mostrar o que está fazendo e dar indiretas para possíveis desastres amorosos. Ou só mostrar que está se divertindo mesmo. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

atados/quebra

Você é real.
Não consegue mentir
sem desviar os olhos.

Você é real.
Quando fica nervosa,
as mãos tremem.

Você é minha,
pois se despe facilmente.
E quebra nós
sem dizer nada.

Você é uma atriz, quando
está aberta na cama.

Uma fingidora de paciência e gozo.

Eu sou falso.
E sobre esse fato,
não converso.

Você é real,
faz hora passar
rapidamente.

Eu sou mentiroso,
nem encaro sua face,
porém sonho acordado.

Você é real,
com as coxas brancas
à mostra.

Você é nossa,
quando se debruça
para o próximo.

Cansada, mas continua.

A andar sozinha
pela madrugada.



domingo, 15 de setembro de 2013

Entre relacionamentos

Casal fotografado por Cartier Bresson

Acho engraçado alguns textos que são replicados por  meus contatos na timeline do facebook. A maioria deles são sobre como os homens deveriam agir com as mulheres, e, obviamente, a maioria desses textos são escritos por homens que se vangloriam (mesmo falando que essa não é a intenção) de ter muita experiência com elas. Por mais que muitas vezes bem camuflados, a maioria desses textos reproduz a ideia de que há uma receita para um relacionamento dar certo, quando não, não há receita ou comportamento que vá garantir seu sucesso com o sexo oposto, ou o sucesso no seu namoro.

Acontece que é muito mais atrativo vender uma ideia pronta. Um caminho. As pessoas, em geral, são preguiçosas para pensar, ou até para questionar as próprias pequenas atitudes do cotidiano. Para nós, o problema sempre é com a outra pessoa.  Afinal, o que eu poderia fazer de errado, não é verdade?  Além disso, parece haver uma pequena implicância com a questão sobre relacionamentos, como se fosse algo típico apenas ao gênero feminino. Exemplificando, podemos com frequência observar isso no cinema, com os filmes de romance. De modo geral, há a tendência de que eles seriam realizados para o gosto feminino, quando o bom filme de romance foca no relacionamento do casal, nos dois, nas dificuldades, nos bons momentos, nos piores momentos, na imensa trajetória de suas vidas. Por isso é tão difícil achar bons filmes desse gênero (e eles existem), e por isso também é muito difícil achar escritores, textos que transmitam algo que vale a pena ser lido sobre relacionamentos.

É que falar sobre relacionamentos não implica em receitas ou em descrever atitudes ou experiências, trata-se de entender uma vida, uma vida compartilhada. E quando me refiro a entender significa ter experimentado ou observado algumas situações, e também ter refletido em cima daquelas vivências. Já que somos seres comunicativos, precisamos de informações e de experiências para criarmos a nossa visão de mundo, e, consequentemente, para criamos a nossa visão de um relacionamento.  Pode parecer clichê, mas um dos meus filmes favoritos do gênero é Annie Hall, do Woody Allen, em que é nos apresentado uma relação contada pelo narrador em off. Desde o começo do filme, sabemos que eles não acabam juntos, mas, mesmo assim, ele vai nos apresentando a história. Como se conheceram, o primeiro beijo, as brigas, etc. É impossível não criar uma afeição pelo casal, por suas histórias – mesmo sabendo que não vai acabar bem. Tudo isso vem regado a sua ótima reflexão final, que deixo aqui com vocês:




E é fato que a maioria dos relacionamentos de sua vida não vai dar certo. Isto é, você não viverá com a pessoa para sempre. Não haverá o momento feliz, depois de duas horas, como um filme. As coisas simplesmente não são assim, mas é aí que reside a graça também. A vida está nas entrelinhas e nos aprendizados quase que diários, em notar as suas evoluções, que você realmente não se importa mais com algo que lhe incomodava até um tempo atrás. Que você amadureceu, nem que seja um pouquinho.  E que um pouquinho dos outros ficou em você também. E que tudo isso vai nos modificando até sermos algo novo, em eterna constância. – ou inconstância. Quanto a fórmulas ou receitas: uma hora, a gente aprende alguns meandros, alguns detalhes que se repetem entre as pessoas, mas isso não é uma regra. Não há regras quando se fala de afeto, não há padrão para o amor.

domingo, 8 de setembro de 2013

Vira mais um copo, meia noite.

Vira mais um copo, meia noite.
Vira e depois ri que ninguém tá vendo.
Esperneia, é duas horas e pouco.
Caminha pela rua das três adiante.

Momentos depois tá ligando,
querendo chegar em casa
mas não sabe como.

Às quatro ela dorme comigo
Vira comigo
Troca pernas comigo
Rola comigo
Beija comigo
Trepa a noite comigo

Seis e dez insiste em ir embora
Mas é cedo e não vai sair assim não

Dorme até o meio dia que eu te dou café
A casa tá vazia, é só nossa
Dorme que mais tarde tem mais

noite para acabar novamente.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Ato II - Sonhar

Apagou os olhos.

De repente estava carregando o pai no colo. O nível da água começava a subir cada vez mais, alcançando os joelhos. Ao mesmo tempo, seu pai não parecia seu pai; era ele, mas mirrado, pequeno, frágil. Crescia em seu coração a certeza de que deveria protegê-lo, que deveria continuar levando-o sabe se lá para onde, sabe-se lá com que força. Já era escuro quando o depositou em uma cama branca. A água agora alcançava um pouco abaixo de sua cintura. Visivelmente cansado, sentou no pé da cama e começou a chorar. Não sabia mais o que fazer.

Agora estava com ela novamente. Na cama que dividiram prazeres, carícias e gritos de pesadelo. Deitados no meio da madrugada, ele podia sentir o vento que entrava pelas frestas da janela. Devagar, se insinuando estrategicamente, ela esfregava a as coxas nele. Logo, estavam enlaçados, beijando-se e mordendo-se mutuamente, como se tudo pudesse acabar no dia seguinte.

Via o cachorro de estimação com quem dividiu dezoito dos seus anos. Morrera vítima de um câncer, morrera na sacada de madrugada, sozinho. Se afastando de todo mundo. Mas agora lá estava ele na sua frente, com a língua de fora, os pelos cor de creme, a expressão alegre em vê-lo de novo. Eles ansiavam o toque, mas sempre que chegavam perto um do outro, alguma coisa impedia. Era impossível brincar.

É noite novamente, ele está em movimento. Do lado não há ninguém. Só consegue ver a sombra do motorista. Ele fuma, um cheiro insuportável. Quer falar algo, mas não consegue. Mexe as mãos para alcançá-lo, mas ele sempre desvia. Parece uma brincadeira. Tudo é tão alegre nesse carro em movimento, apesar de só estar os dois. Consegue ver que o homem tem bigode e parece  sempre meio sorridente. É madrugada e toca música, toca música bem alto e ele nunca consegue falar nada.

Aos poucos abre os olhos, um faixo de luz, dia novamente.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Poema retirado de um erro de fabricação

Gustavo era o responsável pelo caderno de carros do jornal de menor prestígio de Curitiba.
Não recebia muito bem, mas pelo menos podia viajar a convite das empresas.
Fazia o test-drive para depois escrever sobre a sensação de dirigir.
Os carros estavam em várias vezes no jornal.

Terça-feira ele pegou um fiat e quase se acidentou.
Sobre o assunto escreveu uma resenha terrível.
O editor não comprou a ideia.
O carro era popular.
Ia vender, lucrar.
Anunciar.

Julio resolveu ter um carro e juntava dinheiro para um zero.
Barato, mais prestações e propaganda - era óbvio.
Ao sair da loja, uma semana tudo certo.
Até a direção morrer.
Cair no arroio.
Afogar.

domingo, 25 de agosto de 2013

Paixão, entretanto

Ninguém sabe dizer ao certo o exato momento em que se apaixona por uma pessoa. Todos conhecemos, entretanto, aquela sensação pulsante que te prende, que te faz querer estar com o outro. É essa mesma sensação que pode vir a crescer tanto e unir dois indivíduos antes desconhecidos, ou não, em um relacionamento. Tenho amigas e amigos, porém, que frequentemente estão em dúvidas, assombrados por algo que muitas vezes parece se assemelhar a um jogo de caça ao rato, ou pior, a um jogo de adivinhações, cheio de paranoias e preocupações demasiadas (ele não me ligou, ela viu a mensagem e não respondeu na – insira a rede social ou o dispositivo tecnológico aqui – etc.). Quando tudo ficou tão complicado?

Faço um paralelo com a sociedade estadunidense, baseada em competição desenfreada, maior país capitalista, e, por consequência, um paralelo com os produtos culturais que ela produz. Muito da linguagem utilizada por eles,quando falam sobre relacionamentos, vem do jogo, do esporte. Além, é claro, do termo “date”, o encontro. Parece que há fases padronizadas para se conhecer uma pessoa. “First base”, “Second Base”, “Third Base”, termos utilizados no Beisebol e também figuras de linguagem para certos comportamentos, que seriam quase que cumulativos – do tipo, já estamos no terceiro encontro, então é hora de rolar o sexo. Como se tudo fosse assim tão regrado, como se existisse uma normatização para o desconhecido. Quanto a isso, acredito absolutamente que não há, o contato é anárquico e literalmente revolucionário para o seu sistema. Por isso não há ordem nesse caos todo.

Há sim evidências, há pequenas pistas, há atitudes sutis que podem indicar um caminho em comum para ambos. Mas isso deveria vir naturalmente e sem muito esforço, sem tantas brigas, sem tantos joguinhos, paranoias ou padronizações. Há gente que valoriza demais a dificuldade em conquistar alguém, a dificuldade em manter aquele relacionamento, quando o contrário me parece bem mais necessário. A leveza é sempre mais interessante e, no final das contas, não gera tanto ressentimento. Minha experiência, pelo menos, sugere isso: todas as mulheres importantes da minha vida até então simplesmente demonstraram interesse também – sem tantos jogos, sem tanto medo.

Não posso relatar com certeza o exato momento em que me descobri apaixonado, mas guardo alguns dos indícios de que poderia ser feliz com elas – até para lembrar, quando acontecer de novo. A menina que me olhava na escola e cuja carta eu, relutante, enviei. ; a ruiva extrovertida que pegou na minha mão durante um show; aquela que eu deixei um recado no Orkut e em seguida nos conhecemos; a moça do interior que eu ainda confundo com saudade. Todas também tomaram a iniciativa, ou retribuíram sem hesitar a atenção que dei a elas. Quando insisti demasiadamente, ou tentei combater a frieza e escárnio da indiferença, não obtive sucesso. E, nos raros casos que obtive, não foi para frente.

Lembrei  daquele velho ditado que diz que só há duas pessoas no mundo: “Você e todo o resto”. Mas, se lembre de que isso vale para os outros também. Então nos vários e diferentes relacionamentos não pense só em você, mas também no outro –  se ele ainda quer, se você está perdendo o seu tempo – por que, às vezes, simplesmente não é para acontecer.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Gira mundo

No inverno, é verdade que elas se escondem, ou melhor, se camuflam a partir das mais diversas fantasias, das mais diversas roupas, dos ornamentos em forma de cachecóis enrolados majestosamente no pescoço. Sejam sérias, bem-humoradas, sacanas, pueris, amorosas. O frio as faz ficarem mais contidas, mas isso não significa que parem de se comunicar ou se comuniquem menos. Não, só há formas diferentes falar.  É só prestar a atenção para ver que sempre que andam cansadas, ligam o “foda-se” e não se maquiam totalmente, esquecem-se daquela parte que não seria esquecida em qualquer outro dia normal – e é isso que faz toda a diferença. Saem para a rua, um pouco mais irritadas, pisando mais firme no chão, mais propensas a não aguentar as suas baboseiras e, meu amigo, eu sei que você é propenso a falar muitas besteiras. Mas elas são seres, se não superiores a você, muito melhores em vários quesitos e entre esses quesitos está a capacidade de se reinventar, de mudar tudo, de ficar confusa e de se entregar, porque isso é parte da vida , algo tão difícil para nós. E é essa entrega, que pode ser contida, ou não, que pode ser alegre, ou não, que pode ser derretida, ou não, é que faz esse nosso mundo pequenino girar. E se tornar grande, se tornar confuso, se tornar certo, se tornar propício para morar com uma pessoa. Morar em uma pessoa, você e ela morando juntos, tão diferentes, tão perto. Sem se perguntar o porquê, é lá onde mora o amor.  

domingo, 18 de agosto de 2013

- Vem pra cá

- A Dida morreu

- Alô?

- Vem pra cá

- Sério? Isso foi agora? Como tu tá?

- Não pode vir para cá? Tô sozinha aqui...

- Eu sei, mas...tá, tô indo.


.......

- Ela já tava bem velhinha, né?

- Sim, 15, completou 15 anos mês passado, e eu nem tava lá.

- Como foi isso?

- Minha mãe me ligou agora há pouco, chorando, assim que ela começou a falar eu já sabia. Só podia ser...

- Como tá a dona Fátima?

- Triste, muito triste. Era a única companhia dela lá, né..

- Eu sei, eu sei...mas e tu? Sei o quanto aquela gatinha significava pra ti..

- Sim, cresceu comigo. Nem sei como eu tô, olha, sente só aqui minha mão. Tu sabe, como eu era apegada nela, né, tu sabe. Às vezes ela até dormia com nós na cama, quando a gente ia visitar minha mãe...

- É verdade, manhosa, ela, costumava dormir bem em cima das minhas pernas, quando eu tava lá..de manhã meus pés tavam tudo formigando.

- Sei que é estranho eu te ligar, desculpe, mas eu não sabia com quem mais  falar.

- É, quando eu vi teu nome no celular, eu não esperava, mas tu sabe que, apesar de tudo, tô aqui. Vem cá, vamos secar esse choro. Tu que nunca foi muito de chorar. A Dida tá num lugar melhor..

- E eu nem tava lá para ver ela, que droga, que droga.

- Não se culpa..não iria adiantar, não daria para fazer nada, ela tava velhinha já ..

- Eu só queria deitar mais uma vez com ela, para ela se enrolar na minha perna também. Depois de velha e acomodada ela ficou assim, toda manhosa. Mas quem é que não fica, né?

- É, quem não fica...

.................


- Me abraça..só um pouco..

- ....Eu...

- Só um pouco, amanhã a gente finge que isso não aconteceu, eu finjo que a Dida ainda tá pulando por aí, incomodando as pernas das pessoas e caçando insetos...

- Não sei, acho que eu tenho que ir embora..

- Mas...

- Tá tarde, eu preciso ir.

- Mesmo?

- Mesmo

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Minha, nossa, tua, dele

Acho que a vi hoje de novo,
ou foi ele quem a viu.

Era mesmo quem achava que ainda era.

Passando pela rua, sem deixar de ver ninguém e sem ninguém a ver.
Quieta, enquanto se distanciava
e eu muito longe.

Era ele quem olhava
Também quieto, abandonava os olhos.

“E se eu fosse puro, mas eu não sou.
E se fosse sagaz, desviaria para outros braços:
Gozados, dormentes, novos.”

Se eu fosse ele, acabaria com o sono que falta,
fecharia os olhos para dormir diferente

toda a noite. 

domingo, 4 de agosto de 2013

de ti antes de mim

- Você parece que nem precisa se arrumar pra ficar toda bonita assim.

- Ah, mas eu me arrumo, sabe, eu gasto um tempo mesmo na frente do espelho. Eu gosto. Eu me arrumo é pra mim.

- Eu sei, eu sei. É pra você antes de tudo, assim que tem que ser, a gente tem que se gostar antes que os outros gostem da gente.

- Aham..

- Mas eu acho que eu gosto de ti antes de mim, pode ser?  Nem tô, é verdade. Só queria dizer de uma vez. Aí já me solto mais.

- Desde quando isso?

- Não sei bem, acho que quando te vi lá na praça, quando nos conhecemos. Nossa, nem sei quando descobri:  acontece que brotou, e era isso. Mas nem sei, sempre tive vergonha, mas tive vontade de te falar, ainda mais  agora que tu tá assim, tão bonita, tão maquiada. Olha, é verdade, gosto antes de ti e depois de mim.

- Olha, nem sei o que dizer

- Nem fala nada, deixa eu só te olhar um pouco, aproveitar o frio na barriga. Deixa tudo pra depois e olha, olha para as nossas mãos como ficam bem juntas...

terça-feira, 9 de julho de 2013

Sentir-se

Neil Young toca nas caixas de som. É pouco mais de duas horas da tarde. Estou acordado há umas oito horas, quase.  Um pouco menos.  O sol está forte lá fora. E tem um monte de livros sobre a minha mesa. Eu os peguei ontem na minha antiga faculdade. A gata chega perto do meu pé, meu pé que mesmo com meia, está gelado. Ela sai agora, caminha, se apoia nos livros e esboça se deitar, mas desiste.  No meu quarto não bate muito sol, e ela prefere o sol. Quem não prefere?

Estou dando um tempo entre o almoço e o voltar a estudar. Na verdade, sinto que estou dando um tempo há certo tempo, para ser redundantemente explicativo. Foi preciso para voltar a acreditar nas minhas possibilidades, nos projetos, para tentar abrir um caminho em toda essa confusão que foi o semestre passado. Não gosto de papo de autoajuda, ou, pior, autoafirmação, mas é preciso tomar uma atitude quando você chega a certas encruzilhadas.

Vai ficar e desistir? Vai continuar em barco que só promete afundar? Vai deixar ir?

Há tempo que eu estava perdendo para mim mesmo, deixando passar oportunidades por achar que eu não seria simplesmente capaz de fazer. Quando, em outros tempos, eu tirava de letra. Não cheguei a essa encruzilhada por nada. Ao me formar jornalista,  profissão que continuo admirando, percebi certa distância do meu pensamento com a lógica do mercado dominante (fato que, obviamente já crescia forte em mim, mas depois de formado, floresceu). Somado a isso o fim de um relacionamento (não quero entrar em detalhes aqui para não tirar a privacidade de ninguém), me levou a uma pequena grande crise do homem comum formado há pouco tempo. Meu primeiro semestre todo foi de retomadas, de reconscientizações, de nutrir impulsos para descobrir ser capaz de apostar novamente em mim. E, desse modo, sair da minha concha para voltar a minha função – mesmo ainda não sabendo bem qual ela é.

Não necessariamente ser forte, mas se sentir forte..., como diria o protagonista (baseado em personagem real) de “Na Natureza Selvagem”. Um cara que queria viver simplesmente, desraigado da sociedade em que não compartilhava dos mesmos ideais. Talvez o segredo seja por aí: sentir-se capaz de mudar a sua profissão, a sua rotina, a vida. Ainda mais em um momento em que se luta cada vez mais por mudanças sociais, acho que todos nós passamos um pouco por uma crise de identidade, uma crise em que em alguns pode se agravar ainda mais, e que, em outros, pode não afetar quase em nada o comportamento. Em mim, balançou, admito. Fiquei paralisado por muito tempo até conseguir me retomar – ainda estou, é verdade, no processo, ainda estou “entre” muita coisa. E isso não é algo fácil de admitir, mas é só admitindo que se torna vivo, que os problemas aparecem na nossa frente e conseguimos combatê-los. É só assim que, sei lá, você consegue andar, consegue pular do barco afundando, todas essas metáforas bobinhas, mas necessárias.

Eu ainda não sei exatamente  o que vai ser, mas eu sei que está um pouco a minha frente. Estou quase alcançando, já dá até para ver. Talvez, estivesse lá o tempo todo e eu não vi. Talvez, seja algo totalmente novo. Só sei que será diferente de agora, e isso já é alguma coisa por que se vale lutar.


quarta-feira, 19 de junho de 2013

Aos poucos

Eu quero escrever sobre ansiedade e talvez por isso já tenha tentado várias vezes começar o texto, mas nenhuma delas deu certo. Opa, agora que abri o jogo é mais fácil de emparelhar as ideias. Ansiedade essa que não me deixa concentrar e me paralisa. Ela me detém tantas vezes, porque tantas vezes eu tenho ideias sobre o futuro. Penso em planos que não vão necessariamente se concretizar, mas que na minha imaginação correm alucinadamente. Imagino histórias para escrever, e a ansiedade, cada vez mais, as tornam difíceis de colocar no papel. 

É preciso driblá-la, mas andava frequentemente perdendo a batalha. E, junto com ela, a fé necessária em mim para continuar com os planos, com os projetos, com a vontade de trabalhar. Isso tudo e mais acontecimentos pontuais da minha vida nesse ano me levaram a procurar uma ajuda profissional, no caso uma terapia, para eu aprender a lidar melhor comigo mesmo. Faz pouco tempo que estou me consultando, mas percebo algumas pequenas melhoras. 

Quando falamos de nós mesmos para outras pessoas sempre é benéfico, até mais do que escrever, porque você tem um contraponto, e é quase que obrigado a se compreender melhor no processo. Não é nada fácil, não é nada rápido, porém, é o que vai me ajudar a tomar o rumo da minha vida de volta. Sinto-me um pouco como aquele título do livro do Bukowski: "O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio". Isto é, minha vontade (minha razão de fazer as coisas) parece que foi dar uma volta e deixou todos os pequenos problemas caminharem pela cabeça. É claro que isso não aconteceu de uma hora para outra, estou descobrindo ainda os motivos,as razões (se há realmente elas). 

O que é que passa por nossa cabeça, afinal de contas? Sei que muitos dos nosso maiores medos, receios, estão no inconsciente, e ele escapa nos sonhos, nas falas ditas de arreganho - quando você quer falar algo, mas tem receio e usa o artifício da brincadeira. Acho que no fundo tudo isso passa por me cobrar menos, por me perdoar por alguns erros que cometi, por deixar pessoas irem embora.

Algo me diz que eu levo a vida muito a sério às vezes. Mas, aos poucos, a gente vai ficando mais leve. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sobre protestar, gás lacrimogêneo e esperança



Manifestação começou tranquila em frente à Prefeitura Municipal

“Hoje a noite vai fechar”, meu amigo me disse assim que passou o helicóptero por cima das nossas cabeças. Devia ser por volta das 19h30 quando os manifestantes atravessavam a  João Pessoa. Lá na frente dava para ver algumas luzes piscando. A PM? Já havia barreira ali? “Não sei, não sei.”

Do lado de cima, pedaços de roupas, lençóis, toalhas brancas surgiam nas janelas, voando calmamente. Foram recebidas com empolgação pelos manifestantes. Tudo corria bem, é verdade, desde o começo lá na Prefeitura Municipal.  Perto das 18h já tinha gente pra caramba e a promessa era aumentar.  Havia cartazes, muito mais do que do último protesto -  e muito mais criativos. E as bandeiras, também, é claro. Algumas pessoas enrolaram a brasileira no corpo. Veja só: nada relacionado a futebol.

Depois que começamos a nos locomover em direção a Borges e, em seguida, tomando o caminho da Salgado Filho para descer a João Pessoa dava para ver a verdadeira extensão da manifestação.  Não tenho os dados de quantos compareceram, mas, com certeza, foram mais de dez mil.

“Caramba, é muita gente”, eu disse em voz alta para ninguém ouvir. Ficou perdido entre os gritos ecoados pelos manifestantes. Mas para que gritavam?  Contra o que era esse protesto? Eu estava mais interessado nas perguntas do que nas respostas no momento. Talvez porque eu seja jornalista, talvez porque acredite que, como cidadão, só o fato das pessoas saírem para a rua e mostrarem sua indignação já é válido. É claro que a coisa não é tão simples assim, mas seja lá pelo o que você esteja protestando, ir para a rua já é um começo. Aqui em Porto Alegre, pelo menos, protestávamos pelo transporte público, pela mobilidade urbana, pelo ato de poder protestar sem termos a nossa liberdade roubada, ou violentada.  Para que possamos andar com vinagres. Protestávamos para que pudéssemos continuar.

Quando desembocamos na Ipiranga, foi que o protesto, até então pacífico, começou a degringolar.  E aqui é bom fazer um adendo. Não sei qual a opinião de vocês sobre atos de vandalismo, mas procuro observar isso dentro de um contexto. É muito fácil chegar a uma rede social e intitular tal grupo de vândalos e baderneiros, porque depredaram instituição, patrimônio público, etc. Compreendo os ânimos alterados, mas pelo menos onde eu estava, lá perto do prédio da Zero Hora na Avenida Ipiranga os policiais pegaram pesado com o armamento de gás lacrimogêneo, balas de borracha, etc. Um grupo estava enfrentando um pelotão de choque no lado da Ipiranga em que fica a Zero Hora. Eu me encontrava do outro lado, filmando. Tempos depois eles começaram a atirar as tal bombas de efeito moral para o nosso lado. Uma caiu perto de mim. Encarei pela primeira vez a fumaça branca e densa. A primeira sensação é a de asfixia,a garganta fechando. Daí vem o impulso da tosse, sobe o asco, sobe a vontade de expelir algum líquido. Ânsia de vomito. Os olhos formigam, ardem, lacrimejam. A multidão corre, alguém grita para não correr, mas é difícil muito difícil não correr. Perco-me dos meus amigos, mas ainda tenho um pouco de vinagre no cachecol preto de guerra. Afinal, é uma cena de combate.

O vinagre ajude a recuperar o ânimo depois de um tempo.


É revoltante, é claro. Depois disso, vi muitas pessoas mais a frente comentando que violência deve se combater com violência. Depois disso, vi muito dos “revoltados, anarquistas, vândalos” ficarem ainda mais putos da cara. Foi aí que voltando para a João Pessoa vi cenas exageradas e que na hora, com o sangue fervendo, quase apoiei, quase aplaudi. Ônibus  foram apedrejados, muitos containers foram queimados, vidros de lojas quebrados...Não soube de saques, mas não duvido que tenham acontecido.Veja só: não estou legitimando a ação desse pessoal ( que eram minoria), estou dizendo que consigo compreender que ação truculenta da Brigada Militar incitou – e muito – a revolta de quem já queria fazer merda. Não acredito que violência se responda com violência, mas esse sou eu. Nesse momento, me dei conta que a sede da Zero Hora na Avenida Ipiranga é o lugar mais protegido do Estado, quiçá do Brasil, já que em Brasília os manifestantes chegaram no CONGRESSO NACIONAL , em São Paulo no Palácio da Justiça, aqui mesmo chegamos no Palácio da Justiça. Mas não se consegue protestar em frente ao prédio da Zero Hora.

Momento de depredação de um ônibus na João Pessoa
Dentro da própria manifestação não havia uma unanimidade. Presenciei uma quase briga pós o “combate” com os Policiais Militares entre dois manifestantes. Quando um grupo dos “revoltados” virou um container, logo veio outro grupo e foi levantar a lata de lixo gigante. Alguns aplaudiram a atitude, outros vaiaram. Então chegou um dos revoltados e foi tirar satisfação com um dos caras que levantou o container, alegando que ele estava deslegitimando toda a manifestação com aquele ato. Que os "porcos" estavam jogando bombas e que derrubar o maldito container era, de certa forma, uma resposta. Ainda não sei o que pensar sobre isso.

Alguns grupos se separam, não vi a cavalaria, fui seguindo para o Largo Zumbi dos Palmares na Cidade Baixa, onde aparentemente estava mais tranquilo. Eu já estava cansado, com fome, nauseado por causa do gás e com o tornozelo torcido.  Meu amigo, aquele do início do texto,e eu fomos para a Lima e Silva, pensávamos em qual era a melhor rota para seguir. Estávamos com receio caminhar em nossa própria cidade e sermos parados por algum policial mal intencionado. No fim, deu tudo certo.

Os manifestantes sentados na rua perto do Largo Zumbi dos Palmares
Fui para o protesto com o coração aberto e com o celular ligado, queria fazer uma cobertura bacana. Sincera. Vi muitos amigos meus trabalhando em diversos veículos, e tenho orgulho deles.  Acredito na causa e no lado humano, acho que isso deve ser o norte do bom jornalismo, da boa vida.  Jornalismo nem devia ser profissão, jornalismo é estilo de vida. Esse sou eu, contando um pouco do que vi, com meu modo de pensar. É quase 3 da manhã e não estou com sono, estou, como posso dizer, enérgico. Tem algo de diferente vindo aí. Tem algo que vai furar o concreto, algo que, como uma rosa (diria Drummond), vai nascer do asfalto.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ato I - Dormir

Queria ter ido dormir mais cedo naquela noite, tanto que já havia preparado a cama, desligado o computador e agora só dependia dos seus pensamentos para  apagar. Confuso, suas vergonhas e lembranças criavam pernas e caminhavam sobre a cama, invadindo o cobertor, misturando-se com o lençol, criando tempestade de braços.

Tinha receio de que não conseguisse, enfim, sonhar e isso só o deixava cada vez mais agitado. Toda a mente lhe corria. Lembrou-se de vergonhas, coisas de colégio, humilhações exploratórias que em questão de segundo sumiam para dar lugar a alguma desfeita mais recente. Desafetos também apareciam, e como. Amores traidores, amores traídos, amigos desleais, atitudes não realizadas, todo o tipo de desgraça por que já havia passado agora atravessava seus olhos, como um filme.

Sem opção de dormir no meio, se acostumou a observar a paisagem desagradante. Acostumou tanto que acabou pegando no sono, finalmente,  com todo desespero que ansiava  acabou fechando os olhos e - finalmente, mais uma vez - sonhou. E sonhando viu a vida se repetir melhor.

sábado, 11 de maio de 2013

Que finge recomeçar


Está nos meus ouvidos de novo
e diz que nunca irá embora.

Fala com os cotovelos
de dores que o corpo chora.

E se inquieto
e nego,
ela
me consome.

Aos poucos, por descaso,
apago e dormindo
encontro-a novamente;
Altiva, ainda, percorre
meus lados, meus calçados,
sorrindo o espaço
aqui ausente.

É quando tento expulsá-la:
Esperta, se tinge de cores diferentes,
cores que nem sei definir.

E tudo fica brilhante e puro.

Nauseante como um fim que finge recomeçar.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

a propaganda é minha especialmente para vocês



É muita informação
para pouca cabeça.
Dados concretos demais
sob a nossa pele arenosa,

que descasca depois das transmissões.

Acontece que é muito drama
e muita gente falando sobre.

É muita marca nos amando™.

Há pouca dor perpetuada
nas palavras escondidas
(Ainda há?).

Poucos toques,
tesão, conflito.

Mas, a propaganda é minha
especialmente para vocês.

Esquece que não há mais chance:

Joga-se no mar, como quem dança
acompanhada pelo avô nos 15 anos.
Dorme, acorda, deixa para lá.

Tudo que é falso não retorna,
 não sangra, não faz anos.

Apenas é compartilhado toda hora.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

bergamotas para sempre



Lembro do meu vô sentado no degrau em frente ao portão de casa. Parado, às vezes passava horas lá, sozinho, pensando, analisando o movimento da rua, veja só uma rua sem saída. Sempre foi simpático ele, sempre foi de brincar com os outros chamando de apelidos diferentes, mas talvez o que eu mais me lembre do meu vô seja o modo como ele cortava a bergamota. Deslizava a faca sob a pele laranja bronzeada, quase crocante da fruta, cortando-a gentilmente , praticamente moldando, tal como um artesanato. Então, metia os dedos para tirar as sementes, que ficavam por ali, na rua mesmo, para algum pássaro catar. Depois desse pequeno processo, pegava a metade da bergamota e a desfrutava também devagar, lentamente, com legítimo prazer. Não importava o tempo, o clima, lá estava ele logo depois de almoçar. Sempre.  

segunda-feira, 8 de abril de 2013

lá embaixo

Fim de festa,

chega no ouvido e diz que

só não vou para sua casa

porque ela tá sangrando.


Eu também estou,

e acho que tá todo mundo assim,

de alguma forma.



Mas o dela é lá embaixo

por entre as pernas,

quente,  jocoso  e jorra,

provando que ainda há vida,

que ainda poderá ter vida.


Para eu e você,

para ele e ela que dormiram

e àqueles que se

aventuram na agrura mais

profunda dos corpos.


Disse que em outra oportunidade

daqui uns dias, daqui uma semana;

por que não

há a vida toda na frente

para a gente se afogar

terça-feira, 2 de abril de 2013

entre nós

Pele na pele
para descobrir
nós
atados e macios
que caminham
sós.

Aparecem e desaparecem
tão perto agora
tão longe agora.

Se um dia te encontrar nos outros
nas coincidências, no sono
finjo nós
 e amarro para permanecer
pronome possessivo.

terça-feira, 26 de março de 2013

Tempo de dar passo pra trás



Rafael,

Soube que você está se alimentando melhor. Isso é ótimo. Sei também que faz apenas duas semanas, mas já está até notando uma melhora na sua dor crônica no estômago, não é verdade? Finalmente, tomou uma atitude em relação a isso, então. Eu fico muito feliz, ficar saudável queira ou não é essencial para tudo que você quer fazer. Ficar saudável e se motivar também.

É, eu sei que é difícil, mas é preciso olhar além.

Ah, eu também sei (como sou xereta) que você voltou a estudar, frequentar a Universidade novamente, agora com outros olhos. Meio afastado daquela confusão juvenil do primeiro semestre, tintas, festas, afinal você já passou por tudo isso. Talvez você ainda não saiba exatamente se vai se formar nesse curso ou não, se ele será uma ponte para outra oportunidade, que pode aportar, mas só de tentar aprender mais alguma coisa nova, eu já acho o máximo.

Queira ou não, parece uma boa ideia.

Aposto que está sem tempo, mas última coisa: soube que você está voltando a escrever e quer se dedicar mais a isso, fazendo oficina literária e tal. Finalmente. Uma ideia de lançar um livro, vi no seu blog. Não é fácil, né, requer muita disciplina, foco, atenção. Eu sei como é, o que eu faço precisa de muita disciplina. Mas eis aqui o meu segredo para tentar ser mais espartano: além de ter metas bem definidas, deve-se dar um passo para trás sempre antes de seguir em frente. Se avaliar, retomar, relembrar, reler, reescrever, reestudar, e então partir para a próxima etapa. Não é fácil, mas no momento que você consegue, terá mais facilmente os resultados que aguarda.

Continuo sempre me preocupando contigo, mas agora cada vez menos.
Estamos sempre perto,
Um abraço,

Do seu Rafael

Obs:  Soube também que está estudando para concurso público. Sei que você até gosta dessas provas, né. Aqueles dois anos de estudo para o vestibular da UFRGS te marcaram mesmo. Mas, vai com calma. Organiza os horários e segue em frente, que tudo dará certo. Foco.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Meus 25 anos

Não me sinto tão diferente de quando eu tinha dezesseis anos, o que muda é que fica mais fácil. Fica mais fácil tudo, na verdade: perceber, esquecer, superar, tentar. Com 25 anos me sinto aberto para tentar de tudo, ao mesmo tempo que me sinto preocupado de não conseguir nada. Mas isso é coisa minha e da minha cabeça que procurar prever as possibilidades para não se machucar  depois. Para não se perder mais.

Sinto vontade e penso grande sobre tudo que acontece ao meu redor, sinto falta da cumplicidade dos amigos diariamente, algo que tive no colégio, na faculdade, e não sinto agora. Talvez eu me sinta um pouco solto. Tenho, é claro, grandes amigos, mas não os vejo com tanta frequência. E nada é melhor do que uma boa conversa sobre a vida, porque falar, conversar, é um modo de organizar o seu mundo, você. A vida é uma chegada eterna a epifanias baratas em conversas muito importantes. Ou pode ser o contrário também.

Com 25 anos, a gente pondera demais sobre as coisas, quando devia simplesmente viver sem estar preocupado. Estar ansioso, ou receoso, não me leva a nada. Se preocupar com suas características inerentes, não leva a nada também.

Com 25 anos, a gente começa a pensar no que já fez. Com quem se reuniu, o que conquistou, as experiências que obteve. E me sinto bem nesse campo até, pois eu vivi, amigos (e vivi amigos). Eu senti muitas coisas, muitos sentimentos, muitas pessoas, e momentos tão divertidos, quanto tristes. Criei laços que certamente vou levar até fim.

Com 25 anos, a gente percebe que limitar é necessário, afinal, você deve tomar decisões. Decisões que podem nem sempre parecer boas, mas que podem se mostrar corretas tempos depois.

Acho que  o que importa com o tempo é o quanto você consegue evitar se iludir. Ninguém precisa armar contra si mesmo, mas todo mundo faz isso um pouco. São os abafamentos diários os males mais ariscos, as palavras não ditas, os medos não compartilhados, as vergonhas alheias, as opiniões não dadas, o medo de machucar...É desse modo que se morre aos pouquinhos, lentamente. E com 25 anos, você vai percebendo, porque fica mais fácil.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Estudo de uma manhã jovem


Agora a luz está batendo bem de frente na casa. É quase oito da manhã, e ninguém acordou ainda. A gata malhada escancara a boca, anunciando o dia. Mas que dia, o que uma gata poderia fazer, que tipo de preocupações poderiam lhe passar pela cabeça? Ainda mais àquela hora da manhã. É muito cedo até para uma gata malhada fazer alguma coisa.

Devagar, ela vai andando pela casa, chega a cozinha, aonde com uma versátil delicadeza, senta alguns instantes. Espera, espera seriamente, mas nada acontece. O seu pequeno rabo agora está esfregando o chão calmamente, como se fosse natural. Cansada de esperar, ela simplesmente volta a andar. De repente (do nada mesmo) algum estalo de algum móvel mais antigo escancara e pronto, ela para mais uma vez, encarando. Como se tudo fosse horizonte e não houvesse mais nada em volta. Em um segundo está disposta a correr, perseguindo um barulho. Uma das melhores qualidades dos felinos, atacar sons, sensações.

Quase palpável, tenta acertar o ruído no ar. Então pula, girando o corpo e caindo tal qual uma contorcionista. Parece fácil, mas ela é uma bailarina num chão de cozinha às oito e pouco da manhã.  Depois de algumas tentativas, finalmente desiste, mas não se mostra derrotada – essa não parece ser uma opção. Ao contrário: segue indiferente, firme, em linha reta. Está quase chegando aonde deveria, enquanto a manhã corre saborosa, ainda pequena, nunca pronta.

A janela da peça da dispensa estava aberta o tempo todo e o vento que entrava à noite não impediu ninguém de dormir. Que tipo de aventuras a malhada poderia encontrar lá fora, aonde tudo parece sempre tão novo e mutável. Parada em frente a abertura, ela encara o horizonte, mesmo que não saiba exatamente o que está fazendo. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Outro espaço


Queria conseguir-lhe escrever mais sobre tudo que está acontecendo comigo nesse momento. Mas eu não consigo. Agora que você cruzou para o outro lado, não tem quase mais ninguém para eu falar o que é importante. Não no dia a dia. É tarde. É muito tarde para qualquer mentira, apesar de eu costumeiramente me cobrir com elas quase sempre. O que será que anda acontecendo comigo. Em que parte da história eu perdi o rumo. É o que venho me perguntando nos últimos dias.  Acho que é tarde demais para epifanias, o bom que é tarde demais e tarde demais é essencial para bons sonhos também. Sinto muito, ando transmitindo pouco. Tenho irregular prazer nas coisas pequenas, justamente as que deveriam nos trazer mais prazer. Prazer é felicidade? Não sei.  Ando desejando pouco porque não tenho um grande objetivo à minha frente, acho. Meu objetivo atual era aproveitar o momento, simplesmente, sem pensar muito no futuro, sem se apegar ao passado. Porém, acho que isso pode me tornar cínico para caramba – como se não bastasse eu ter isso de família. Durmo demais e de menos, quando acordo as coisas não mudam. O tempo anda uma merda atualmente, está nublado e quente. O sol se esconde só de babaca, enfornando todo mundo para depois sumir por uns dias e voltar. Não me lembro de algum outro fevereiro assim. Um fevereiro nublado e chato. A gente acaba sendo um pouco de mercadoria, ocupando horários com trabalhos remunerados, travando conversas que não vão levar a lugar algum, se incomodando com os problemas dos outros. Se estressando com faltas de linhas, de declarações. No final, tudo vira um jogo de preencher espaços. Talvez a vida seja um pouco disso, não é. A gente sempre se sente um pouco vazio em alguma parte, tentando desesperadamente preenchê-lo, nem que para isso tenha que desocupar outro espaço. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Crônicas de um repórter novato - parte XXIII

Ah!

O quão maravilhoso e terrível pode ser o tempo?


Estou retomando o blog, e relendo essa coluna fiquei docemente nostálgico. Tantos momentos importantes eternizados nesses pixels. O Rafael Gloria estagiário com receio e nervoso nunca sairá de mim, porque eu nunca deixarei. Ele é essa pessoa apaixonada por escrever, apaixonada em descobrir os outros e pelo fazer jornalístico. Por que eu mudaria isso?

Tudo que ele precisava era um pouco de coragem. E acho que isso eu consegui.

Desejo que o Rafael Gloria estagiário seja a pedra fundamental da minha profissão. O marco, a fé, a lembrança que faz seguir adiante. Afinal, o que não é o jornalismo se não a eterna perpetuação do banal? Sim, banal, porque tudo - atravessado pelo tempo - fica banal em algum momento. Tudo é solúvel e medroso perto da poeira de estrelas.

Não existe a tal objetividade, só existe o princípio de encontrá-la, buscá-lá, sem nunca nunca a encontrar. Há algo mais poético que isso?

Jornalistas, então, são seres emocionais que anseiam o factual. A subjetividade coberta por concreto, nascendo e morrendo todos os dias.

Humanos e nada mais.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Pela noite

Bem, Tom Waits diria que a noite desperta diferentes sensações nas pessoas, e eu concordo. Em 2012, mais do que tudo, fiquei ainda mais amigo da noite. Não no sentido boêmio do termo, não no sentido pejorativo e quase ridículo da frase “vamos para a noite”. Digo no sentido fraternal mesmo, na cumplicidade de dois velhos conhecidos que apreciam a companhia um do outro.

A noite é escura e densa, quase insolúvel, e totalmente impermeável. A noite é camada e protege os que se escondem e os que a escondem. A noite é dissimulada e sabe aceitar todos os problemas. Há sempre um pouco de desconfiança com ela, pois é tudo baseado em contratos emocionais, olho no olho, boca na boca, toque no toque.

A noite é papel de decoração, amor ferido, quase brutal.

Já tive medo dela, confesso. Já tive receio, porque não a entendia, admito. Não é vergonha. O passar do tempo confirma para o que realmente fomos feitos. E a noite foi feita para sondar, iludir e sonhar - talvez o grande motivo para que eu a ame tanto. Sonho durante toda a noite e, às vezes, sonho até mais quando não estou dormindo. Imagino, crio, antes de dormir e esqueço também (a noite, querida, às vezes pode ser traidora).


Mas, alguma coisa sempre fica da noite para a gente carregar durante o dia.