sábado, 28 de fevereiro de 2009

Teoria número catorze: sobre construir muros ou sobre construir pontes

Em 2006, fui aluno de um professor que lecionava construindo pontes com os alunos. E ele dizia que o melhor presente que poderíamos dar, era nos tornarmos uma forma de ponte também. Isto é, termos uma maldita utilidade no mundo. Contribuir para a sociedade, para as pessoas. Quebrar certos muros. Acredito que essas metáforas batidas, velhas, quase empoeiradas por tantas outras, ainda são válidas. Os muros podem ser quebrados, as pontes podem ser construídas, podemos melhorar como seres humanos. A escolha é sempre nossa, no fundo temos consciência do que estamos fazendo com as nossas razões. Defender-se nem sempre é rodear-se de tijolos, por que não fazer amizades através de dutos? (mesmo que subterrâneos)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Crônicas de um repórter novato - parte II

Não sei por que fiz jornalismo e ainda não sei por que faço. Vejo tantos colegas participativos em aula, alguns tão motivados em aprender a ser jornalista, e eu parado. Quieto, só observando. Não deveria me sentir mais motivado? Realmente não sei. E isso me remete aos meus 15, ou 16 anos. Eu no final do colégio, não sabendo o que fazer da vida, a única coisa que eu gostava na época era de literatura e de escrever. Nunca houve muita coisa, além disso. É claro, depois veio o cinema, mas mesmo assim eu sempre me interessava pelas melhores histórias. O modo como foi escrito, os personagens mais diferentes, mais misteriosos, ou aventureiros. Sempre foi isso tudo primeiro.

Não me lembro como chegou o jornalismo. Na verdade, na época, não tinha nem ideia porque eu optaria por esse curso. Quis Letras durante certo tempo, mas não me imaginava lecionando para alunos que não queriam aprender, acabaria me tornando mais um professor frustrado, com pouco dinheiro e com uma falsa razão de dignificar meu trabalho pelo ensino. Não, eu não seria mais um deles.

Veja bem, eu até gostava da minha professora de Literatura, acredito que ela foi a responsável por me apresentar grandes livros, mas não foram os livros certos para um jovem adolescente. Mesmo assim, percebia naquelas linhas que ali estava algo diferente: finalmente haviam descoberto como parar o tempo, como fazer a vida brotar da mente.

E o melhor, não era algo falso, não era algo somente inspirador, escrever não é somente inspiração, a boa literatura reflete as angústias, as vontades e todo o clima de sua época. E precisa de muito trabalho. Toda linha deve ser pensada, a estrutura de uma narrativa, a questão da linearidade. Mas então me disseram que não há lugar para escrever no Brasil. E quem disse que eu teria talento o suficiente? Para fazer o que eu mais gostava eu teria que vender a minha mão de obra, como qualquer trabalhador assalariado faz, como o meu pai faz, como o seu.

Acho que foi por aí que veio o jornalismo. Alguém me disse que eu tinha uma boa redação e que poderia ser interessante aparecer na televisão, trabalhar num jornal, escrever em modo de fábrica. Colocar meus dedos num teclado da redação e digitar para informar apenas. Sem rodeios, sem jogos de esconde-esconde. Apenas deixar o leitor inteirado do que está acontecendo e também, quem sabe, denunciar algumas coisas às vezes.

Acredito que o jornalismo encontra a sua metáfora perfeita no seu termo mais conhecido: o lide. Completamente objetivo, racional, chato e enfadonho. E o pior é que os jornalistas, em si, não são seres chatos, mas muitas vezes pessoas completamente frustradas. Ou não.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Poema Atravessado

Conheço-me nas suas pausas
Quando não respiras
Descubro-me em cada ar que não entra
No seu corpo.

Em todos os passos falsos
A cada dor que transpiras
A cada momento exato
De exaustão
[eu revivo]

Mesmo que o olhar tragado
[Invariavelmente cego]
eu sonego

Cada alegria que tu sentes

É a dor,
De
de repente
Não te ter mais.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Restos Virtuais

É engraçado como a internet possibilita que as memórias fiquem tão vivas, a ponto de não conseguirmos fugir delas. Tanto lixo digital, tantas lembranças perdidas por nossas cabeças e por nossos álbuns de Orkut, que acabamos não esquecendo nada. E isso é um saco. Deveríamos nos livrar de alguns restos virtuais (tanto da internet, como do nosso corpo), porque, algumas coisas, devem necessariamente ir embora. Sumir. Caso isso não ocorra, sua cabeça entrará em curto circuito e não aceitará nada NOVO, assim como o disco rígido do seu computador. Tendemos a ser contaminados com um vírus chamado saudade, ou piores, como arrependimento, nojo, e infelicidade. Não precisamos de restos virtuais, o que passou, e não merece recordação, deve ser simplesmente esquecido e ignorado.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Todo amor que houver nessa vida

Despida sob a luz da lâmpada quente amarela, Elisa não era tão bonita quanto nas fotos que trocávamos por correspondência. A leveza do seu punho e a delicadeza da letra pareciam não pertencer àquele corpo magro e demasiadamente branco, como se não houvesse cor em nenhuma parte da sua pele. Minto. Há algumas manchas arroxeadas em formato redondo, plano, quase pairando em suas costas, mas que nesse momento poderiam passar completamente despercebidas, se não fosse a sua posição de bruços. Mesmo assim havia alguma áurea de decência, principalmente em seus olhos, e no modo como eles fechavam e abriam, querendo se desculpar por alguma coisa, mas não conseguindo completar o objetivo.

Não me lembro como chegamos à minha cama. O que recordo com mais precisão é do nome do restaurante e do vinho que pedimos. A conversa só começou a fluir após a quarta taça, mas quase não tínhamos segredos, eram meses de trocas de cartas sentadas conosco à mesa. Somos duas pessoas com personalidades e problemas parecidos: separação, um emprego chato e a falta de perspectiva para o futuro. Por não saber o que falar de novo, ou não querer entrar em assuntos chatos, logo já não se sabia mais o que dizer. O silêncio que se instalava no jantar era expulso por uma tosse frequente de Elisa. Uma tosse seca e prolongada – embora ela não fosse fumante – que se espalhava por todo o ambiente.

Pensava que a noite acabaria no momento em que o vinho terminasse, uma vez que as frases não se completavam e a distância só aumentava com o passar dos minutos. Talvez tudo só funcionasse se houvesse quilômetros nos separando. Para piorar o quadro, Elisa quase não comia, e quando ingeria o arroz e alguma verdura que pedira, fazia com tamanha dificuldade, implorando para que a garganta tivesse força para empurrar o embrulho alimentar.

Foi então que os olhos se encontraram no meio desse silêncio, e a perna dela roçou a minha, como dois amantes que não se fitam há muito tempo. Mesmo que tenha sido sem querer, o que aconteceu embaixo da mesa acabou causando uma revolução na parte superior. Não que a bebida não tenha ajudado, mas algo no modo como ela mexeu os olhos foi o sinal de que as coisas poderiam acabar bem. Essa é a minha última lembrança do bar.

Depois já estávamos na minha casa, Elisa nua, seu corpo quase esquelético em cima do meu, causando um medo de machucá-la durante o sexo. A vontade animal pulsando junto com certo asco e prazer ao mesmo tempo acabaram afugentando o receio. Procurei pela camisinha, mas ela insistiu que não precisava, tomava anticoncepcional e dizia estar limpa. A bebida no meu corpo e a falta de sexo há algum tempo, ajudaram-me a concordar rapidamente com ela.

Mesmo sem aparentar forças, sentia que durante a relação, a sua energia aumentava e, como num fogo em declínio, apagava-se rapidamente até chegar ao seu final. Não foi desanimador, mas também não era a melhor experiência. Ensaiamos um abraço depois da relação, mas logo Elisa foi embora. Ela fechou a porta com vagar extremo e se afastou, furtiva, como quem abandona um doente que acabara de adormecer à meia-noite.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

"Chinaski, seu filho da puta!"

Bukowski olha para o lado e depois para o outro, não sabe se deve responder o chamado-xingão. Perdeu-se em seu próprio alterego. Quem bebeu mais, Henry Chinaski, ou Charles Bukowski? A que ponto eles se encontram, a que ponto a realidade atravessa a linha da ficção e vice-versa? No final, Buk (como era popularmente conhecido o escritor) acabaria virando, expelindo algum adjetivo de baixo calão e voltado a andar, normalmente, como se nada tivesse acontecido. Assim como os seus diálogos, com frases certeiras, diretas. Frases cortantes. Às vezes toda uma frase tem o efeito de apenas uma palavra. E é nesse momento que se encontra uma das maiores qualidades do velho safado: a crueza, seguida de uma ironia mórbida das palavras. Bukowski não esconde nada, muito pelo contrário, está tudo ali, pulsando. Seus livros não exigem reflexão demasiada, exigem escolhas. São histórias, no sentido universal, descritas sob a ótica de um autor que viveu anos na sarjeta, escrevendo em papéis sujos, brigando por comida e que conquistou um espaço por si mesmo. Um grande filho da puta – no melhor sentido da palavra.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Epifanias - O acidente

Cap. III

Um automóvel surgiu cortando a avenida, na esquina com Rua Azevedo, foi de manhã, bem cedo e bem quieto. A chuva, que não era garoa, mas também não era tempestade anunciava um misto de tons cinza que confundiam a pista, a nuvem e o cheiro. Os faróis acordavam agora, fracos e tediosos, lutando contra a escuridão, todos desejando despertar o dia. As avenidas são misteriosas, elas contêm algum segredo: percorrem os dois sentidos, sobem, descem e somem do nada. O carro que surgia no horizonte não respeitou o sinal, talvez fosse culpa da água no asfalto e não dos olhos inflamados, mas quando ele ultrapassou o vermelho, assim como a cor do seu carro, assim como o sangue que nos persegue, ninguém poderia prever a forte pancada. Estranhamente, não soara como um pecado, parecia uma brincadeira; assim como dirigir o carro era uma diversão. Em quase quarenta anos de volante nunca batera, por que maldição haveria de acontecer agora? Para seu Plácido parecia apenas um sonho, porém a dor, finalmente, o empurrava para a realidade. De algum modo ia surgir nos jornais do dia seguinte, “um senhor cortou o sinal vermelho, e foi atingido por um carro” em uma dessas manhãs, em uma dessas mortes regulares. Mas não era só ele que tinha problemas, no outro carro, cinza e normal, Renato olhava aterrorizado a cena. Sua mãe o tirara da cama, a irmã precisava de carona para a escola. Mal havia acordado. Bem que aquilo poderia ser um sonho também, ou melhor, um pesadelo. Tomaria um susto, acordaria e voltaria a dormir. Mas a vida não é assim.(..prossegue..)

link do segundo capítulo (Fungo nos olhos): http://contagens.blogspot.com/2009/01/epifanias-o-acidente.html
link do primeiro capitulo (De manhã): http://contagens.blogspot.com/2008/11/epifanias.html

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Em dias banais

Eu menti para ela de novo, olhando nos verdes. Nos olhos verdes dela. Eu menti descaradamente. E nem foi uma pergunta tão importante, e eu nem fiz nada tão cruel, mas eu menti sem pensar, sem piscar os olhos. Com absoluta naturalidade. E isso não me fez mal, não me deixou enjoado, não tive enxaquecas, não perdi o sono. Não. Depois eu deitei na nossa cama, na qual dormimos nossas 8 horas regularizadas e somos despertados diariamente pelo alarme do celular. O celular dela, só para deixar claro. O celular e os verdes dela. É por isso que eu minto tanto. O passar dos dias, beijos triviais. É por isso que eu minto tanto. Noite que cai, nosso amor só com paz. É por isso que eu minto tanto nesses dias iguais.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Não por todo o corpo

Não acredito que todo o nosso corpo faça aniversário de uma só vez. Não sinto as minhas pernas tão velhas, quanto a minha cabeça, ou os meus dedos, esses tão certos no tempo, tão experientes em algumas atividades. Talvez o corpo rejeite as ideias antigas para querer as novas, talvez isso seja crescer. Deixamos de lado aquelas que não nos interessam mais, pessoas, revistas, livros, programas. Substituímos. Só sei que não me sinto com 21 pelo corpo todo, algumas partes têm mais idade e outras bem menos. Mas é a vida afirmando que o dia seis de fevereiro é meu e que preciso lembrar, sobretudo, que temos que aproveitar o tempo como se um cometa fosse cair na terra nas próximas três horas.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A porra do Hype e os fãs mais chatos do mundo

Hype: Excessiva publicidade em torno de alguém, ou de algum produto. Pelo menos para mim, lembra a palavra hipérbole, a figura de linguagem muito usada por Castro Alves, que enfatizava as ações. Ex: Essa sua piada quase me MATOU de rir!.

Só por que é novo, alternativo, ou na moda é melhor? Não, mas algumas pessoas ficam tão obcecadas ao ponto de não observarem com coerência o que realmente acontece. “Os discos mais aguardados de 2009” foi a postagem que vi num blog de um indivíduo que nem sabia o que falava. Um site destinado a acompanhar a cena “indie” brasileira. Tomada pelo fanatismo por uma banda, ela já sugere que aquele será o melhor cd, e que uma das músicas – que ela já conhece – será eleita a melhor do ano, e talvez melhor da década. Eu conheço a banda, fui a alguns shows, e gosto, mas sei que está longe de ser a melhor do Brasil e a nova música não é uma obra prima. É legalzinha, esperta, inteligente, mas não o bastante para ser a melhor do ano. Isso me leva a questão: impressão minha, ou os fãs estão cada vez mais chatos? Não discutem nada, só querem ser engraçados, e apelativos. Esqueceram que eles também constroem a banda e de certa forma contribuem para as composições....Banda “independente (ou alternativa)”, fãs absolutamente chatos. É só entrar nas comunidades do Orkut e ver os grandes debates que eles proporcionam, ou é exagerada idolatria, ou algum comentário pseudointelectualindiesarcástico (tudo junto mesmo, como eles adoram escrevem). Maldito hype.