quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Teoria número doze : sobre Lides e a interioridade externada

Antes de tudo tenho que explicar o significado do termo Lide para as pessoas que não o conhecem. Seria o primeiro parágrafo de uma notícia impressa, completamente informativo, que procura responder àquelas perguntas básicas do jornalismo: “quem? onde? quando? por quê? como? o quê?” (não necessariamente nessa ordem, e nem necessariamente responder a todas as perguntas). A realidade é que se deve filtrar o mais importante e então produzir a “pirâmide invertida”, termo que a maioria dos estudiosos utiliza. Isto é, escolhemos as prioridades, e começamos por elas, deixando o menos atrativo para o final. Mas eu me pergunto, e se o verdadeiro atrativo não for o que é tão palpável e tão óbvio? Sempre acreditei que todas as sinuosidades da vida têm segredos, não somos lides, não somos textos pré-fabricados, sem nenhuma posição autoral. Somos pessoas, com emoções, valores, medos e desafios. Assim como um texto deve ser. Por isso que o bom jornalismo se faz de dentro para fora, usando a sua principal ferramenta, a investigação. Somente a apuração dos fatos unida a uma linguagem inovadora e próxima do ser humano pode completar – e contemplar – a vida, o texto e o próprio jornalismo.

Obstáculo 12

Foram exatos doze meses escrevendo o que me atrapalhava, o que ficava exatamente entre a minha pessoa e o que eu queria encontrar. Ou o que eu queria ter. Acredito que foi o post em que mais (não sei se é o termo correto) exagerei na linguagem, mais viajei. Contudo foi um prazer fazê-lo. Inspirado totalmente na minha vida, cada obstáculo tem um pouco – ou um muito – do que aconteceu comigo esse ano. Termino essa seção dizendo que o obstáculo, tornou-se um obstáculo para mim, entre esse ano velho e o ano que entrará. Quero mudar as coisas e esse tipo de postagem, a meu ver, não têm mais lugar no blog. Fazer essa série de posts tornou-se o meu obstáculo final.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os erros que eu quero cometer

Gosto do final de Dezembro, justamente por parecer um recomeço. É daquelas coisas que não tiro da cabeça: a idéia da redenção. Uma segunda, terceira, quarta, vigésima primeira chance para tentarmos algo novo. Ou realizarmos atividades que desejamos fazer há tempo. Ou ainda (na mais chata redundância) voltarmos atrás de atos, dissiparmos arrependimentos. Eu começo pelo normal: elaboro vários planos, já tenho todos em mente, mas prefiro guardá-los no canto, por enquanto, deixá-los dormindo, só esperando a possibilidade de abocanhá-los. E assim a coisa segue. Desejo iniciar mais três blogs, com assuntos diferentes, também quero fazer academia ou algum esporte interessante, aprender uma nova língua, fazer uns cursos diferentes. Por fim, quero continuar com o Contagens ano que vem, aumentando, quem sabe, o número de postagens por mês. Essa época define muito o que acontecerá no futuro, consequentemente, é importante planejar agora para se conseguir mais fácil depois. Ahhh, e não se esqueça, junte todos os erros, todos os acertos, todas as escolhas mais ou menos e leve junto como bagagem. É o que a minha professora de quarta série recomendava. Quem diria que aquela gorda extravagente estava tão certa?

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Das distâncias

Lá estava eu, e a uns quatro metros, lá estava ela também. O copo plástico branco de cerveja na minha mão, calmamente gelado, grudava na minha pele, levava-o à boca algumas vezes, como se ele fosse viciado em mim, e não ao contrário. Encontrava-me parado em frente ao bar com o Luís, que parecia mais extasiado do que qualquer outro. Por outro lado, eu não estava muito atento à barulheira, ou aos gritos exagerados, conversas bizarras, nem com a música ao fundo – até porque ela fugia do meu gosto. O que eu cuidava mesmo era a movimentação dela, o jeito como andava e saía e o modo como me dava pouca – mas sempre respeitosa – atenção. Sabia seu sobrenome, quantas vezes espirrava, irritada por alguma poeira maldosa que teimava aporrinha-la, e de certa forma compartilhava alguns de seus ideais. Mas o que eu queria mesmo compartilhar ela não deveria ter idéia, não tinha conhecimento de como seu corpo me fazia mal, de como há tempos tudo o que eu sei e leio nos livros refere-se a ela. Não considero uma doença, talvez algum transtorno que me ilude devagar, algo que entra na minha alma e fecha tudo. Fica ali. O cabelo preto, a pele morena, o vestido branco devagar olhando para lá e para cá, a cerveja gelada na minha garganta, Luis sem parar de falar ao meu lado. Tudo fluindo junto. O que ela pensaria de mim? Gosto de fechar os olhos e imaginar tudo quieto e ela se aproximando, como se fosse me fisgar, depois nós derretendo devagar, sempre juntos e quietos. Logo, bebemos uma cerveja qualquer, viciada em nossas mãos, e dormimos. Enquanto penso, ao mesmo tempo sei que continua tão longe quanto a luz falsa que banha a todos naquela sala, talvez tão distante quanto a minha própria consciência.

domingo, 21 de dezembro de 2008

369 dias

Há um ano, praticamente, eu iniciava o meu blog com uma postagem meio insólita, falando sobre um templo asteca, algo assim. Passando o tempo fui encontrando o modo como queria escrever e como queria pensar. Não foi difícil, na realidade foi muito mais prazeroso do que eu imaginava que seria. Conheci algumas pessoas bem legais através do blog, aprendi bastante escrevendo, lendo e refletindo sobre os assuntos. Enfim, levei a sério o que não nasceu com a pretensão de ser sério. Acabou se transformando. E essa é a beleza da coisa. Tudo o que escrevo aqui está permeado de mim e de pessoas próximas, mas ao mesmo tempo também está lotado de tudo que eu não tenho, que nunca terei, e que não existe. Essa é a mágica de tudo.

Obrigado a todos

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Por toda a cidade

Deixa eu te descrever. Veja se o reconhece pelas características, eu sei que é difícil para ti, mas é necessário. Olha só, vou tentar até desenhar. Calma, não fica nervosa, não é tão complicado. Agora vou dizer como ele era, e você vai confirmar para mim, certo? Não, espera, não precisa chorar. Moça, não fica nervosa, estou aqui para ajudar. Confie em mim, que a gente vai pegar esse cara, mesmo que tenhamos que procurar por toda a cidade. Isso, tá melhor? Quer um pouco de água, eu conseguiria um pouco de água, peço para alguém trazer, não sei. O que você quiser para se sentir melhor eu posso tentar conseguir. Vai querer a água então? Ta, ótimo. (Agenor, traz uma água aqui, rápido!). Agora, eu preciso te dizer as características do suspeito, tá? Isso, calma, assim mesmo, senta aqui, pega a água, e toma direitinho. Ele era careca, magro, moreno, aparentando uns 30 anos...?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sobre o meu avô

É difícil para mim se aproximar dele, e foi assim desde criança. Sempre tão distante, mas de certa forma tão próximo nas atitudes, como se nos comunicássemos por meio das aparentes ações: tal como assistir a um desenho antigo, ou ouvir os seus sermões que mostravam certa preocupação, e ainda as conversas sobre futebol - só para mantermos mais diálogos. Um fato sempre me surpreendeu, nunca o vi de completo mau humor. Já o pude conferir irritado com algum acontecimento taciturno, mas nada que durasse muito tempo, logo é possível ver o sorriso que o tempo ajudou a acarinhar no rosto enrugado. Poucas pessoas completam 79 anos e ainda se mantêm ativas, vivas, de cabeça e corpo com propostas a pensar. Ainda que ouvindo mal, ainda que não o compreendendo por completo, fui dar-lhe o parabéns. Algo que saiu tão impessoal da boca, mas se ele soubesse a carga de sentimento que todo aquele som carregou – assim como toda a dificuldade que tive para vencer a apegada timidez –, não teríamos ficado, mais uma vez, no vácuo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

cemtimento

Ela chega cansada do trabalho, joga a bolsa amarela, quase laranja, no sofá e deposita o corpo, pouco a pouco, na cadeira da mesa da cozinha. Quer café para se manter acordada: ainda precisa jogar um pouco de sua criatividade num texto que deve ser entregue no dia seguinte. Prepara a bebida, da maneira mais rápida e sem paixão possível, depois senta no sofá. Não há mais ninguém na casa, e nem em sua vida, no momento. Em frente a tela do computador pensa em tudo que lhe aconteceu nesses 27 anos. Sua mente pára nas lembranças das pessoas que amou, uma nunca lhe fugiu a cabeça. A dúvida é a pior inimiga dos dias e da folha em branco, preparada para o texto, para as palavras. Há anos o caso mal resolvido vem complicado a sua vida, os seus desenrolar de palavras. O que poderia ter acontecido, se fosse de um outro jeito, se não seguissem caminhos diferentes? Ela nunca poderia saber. Agora, apenas digita com os dedos, o texto ainda confuso, ainda inerte, embaralhado entre sentimentos.

obs: post número 100 do blog, pessoal. muito obrigado, do fundo do coração, por realmente lerem. =)

domingo, 30 de novembro de 2008

Teoria número onze: sobre a aconceitualização da vida

É final de semestre e essa doideira de conceitos acaba mexendo com as pessoas. Nesse ano confesso que dei muito mais atenção ao trabalho do que a faculdade, e não me arrependo. Afinal de contas, aprendi muito mais lidando com os fatos, do que com a mediocridade acadêmica. Enfim, toda essa história acabou me lembrando dos diferentes tipos de conceito e de como a sociedade necessita conceitualizar todas as coisas do mundo. A começar pelos conceitos dados pelos professores, pelas notas. Minha capacidade de reproduzir um texto, de fazer uma entrevista ou de produzir algum trabalho não cabe dentro de um conceito. É algo muito subjetivo de certa forma. Voto a favor da aconceitualização de tudo na vida. Não precisamos de notas, de rótulos, de grupos diferentes. Não quero dizer que não haja diferentes tipos de qualidades, ou de níveis: é óbvio que há. Contudo, isso é notado no cotidiano, na rotina profissional. Um conceito não define uma pessoa, até porque, por definição, uma pessoa é formada por diferentes tipos de conceitos.

Obstáculo 11

Mosquitos voam assanhados pelo ar. Batem no vidro da janela, batem no nosso rosto, procuram as peles, produzem barulhos insuportáveis. E mordem. O problema todo é o calor, que permite a proliferação dessa pequena praga. Malditos mosquitos e maldito excesso de temperatura. Ah, como eu odeio o verão escaldante de porto alegre. Só é bom acordar com ele, péssimo escrever, péssimo pensar, péssimo sair com as pessoas para caminhar. O problema é se adaptar aos trópicos, nesse momento nos sentimos mais nordestinos, mais escaldantes.

Ode ao sono (antes que te faça sangrar)

Emília não podia dormir com o barulho que se espalhava pelo quarto. Seu marido, cansado do dia, da semana, ou do mês, roncava como um porco prestes a ser assassinado. Pois saiba leitor que os porcos, sabem quando seu fim está por vir. Nesse caso, Jorge não poderia adivinhar que sua mulher, quando finalmente conseguia dormir por alguns minutos, sonhava com a morte do esposo, cerrando seu pescoço, cortando suas cordas vocais. Ambos, de certa forma, ficariam em paz para sempre. Mas, veja, o problema para Emília era muito mais psicológico: como iria manter sua mente em ordem no dia seguinte sem poder dormir? Como iria cuidar das crianças e da casa? Depois de sessenta minutos de opressão sonora, resolveu levantar e empurrar o companheiro, o que originou apenas resmungos e alguns movimentos falsos. Não agüentando mais a situação, correu a cozinha, pegou a maçã mais vermelha que encontrou do cesto, e voltou ao quarto. Sorrateiramente depositou a fruta na boca de Jorge, a falta de ar o fez acordar abruptamente, além de engasgar por alguns segundos. “Que porra tu tá fazendo? Tá louca mulher?”, cuspiu Jorge junto com a saliva que o afogara . “Tô sim, seu merda, tu não pára de me atrapalhar, vai embora, sai daqui, antes que eu enfie uma faca em ti e te faça sangrar como um maldito porco”. Os olhos de Jorge pularam, não reconheciam a mulher, juntou sua bermuda, seu chinelo e saiu perdido pela porta do quarto. A maçã ainda aguardava na cama, esperando Emília, que se espalhou pelo colchão, dormindo em paz. Sempre em paz.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Quarenta anos na cara

Abri os olhos e encontrei um leão em meu caminho, eu estava no volante, empossado em mim, desvirtuando e coletando cada pensamento do fundo da minha paciência, esmolando sensações, remoendo tudo. Foi quando o vi. Ele dormia, olhos fechados penumbramente, eu já percorria o país há algum tempo, mas nunca havia visto tal criatura, toda majestosa, pêlos alaranjados, batizados pelo sol, encontrava-se sob uma árvore, também, colossal em seu tamanho, com suas folhas pouco presas, todas secas, talvez más sustentadas pela estação. Era uma cena meio poética, meio grosseira, a estrada cortando uma extensão enorme de mar verde, trazendo toda a sujeira da civilização para aquele espaço. O grande animal parecia nem se importar com isso, só dormia quieto e parado, como se pudesse morrer àquela hora mesmo. O outono já chegara, e há dois meses eu começara a viagem. Só eu, os meus pensamentos, o bloco de idéias atirado no porta – luvas, trocados no bolso e, agora, o leão. Quarenta anos na cara e a certeza de que nada é para sempre e de que nada de concreto meu pode ficar para o mundo.

domingo, 23 de novembro de 2008

Perdidos entre as paredes

“Eu vou contigo para onde tu quiser”, ela me diz meio bêbada, entre algumas latas de cerveja, que depois são espalhadas por nós rapidamente pelo assoalho de madeira. A música de mau gosto ainda passeia pelo ar. Assim como os nossos beijos que se misturam sem ordem, sem nexo, confundindo as peles, e contornando a boca, exalando liberdade. “Para onde eu quiser?”, respondo minguadamente, explorando uma futura possibilidade de acabar bem a noite. E ela confirma com a cabeça, em um movimento positivo meio torto, mas ao mesmo tempo tão singelo. Como se fosse verdade, como se ela estivesse apaixonada por mim desde o primeiro segundo que me viu. E nós nos conhecemos há apenas alguns minutos. Dou uma risada sem graça, pego o copo plástico branco, cheirando àquela cerveja barata e largo em sua mão. Nós rimos como duas crianças que não sabem exatamente o que estão fazendo. Lá fora a madrugada cada vez mais vai chamando a manhã e nós permanecemos definitivamente a sós, perdidos entre os tempos e as vontades.

domingo, 16 de novembro de 2008

Das uniões

Não adianta querer escrever por demasiado, ou exagerado em evidência; já é célebre a frase, batida, experiente e madura: “Quanto menos, melhor”. Acontece que alguns seres humanos sempre querem mais, desejam transmitir por grandes frases, amontoadas de pontuações – e palavras em lugares estranhos – para desse modo transmitir um outro tipo de sensação. Contudo, até desse modo é necessário cortar alguma coisa, não necessariamente escrever menos, mas aprender a tirar as partes que antes não se encaixavam, que eram totalmente deslocadas do contexto inicial. Isso é uma arte, uma qualidade que poucos possuem. Aliás, acredito que há dois tipos de cortes – para deixar bem claro, apenas em minha opinião –, o jornalístico e o artístico. O primeiro, é o corte para clarificar, limpar o texto, deixá-lo mais acessível aos leitores. O segundo é diferente, carece de uma sensibilidade que realmente poucas pessoas apresentam. Justamente porque é necessário criar uma nova idéia, novas possibilidades, e ao mesmo tempo deixar na mente do leitor uma inquietude, instigá-lo a imaginar coisas. Acho que o meu desafio como jornalista, como pessoa que gosta de escrever, como pseudo escritor (ou escritor que gostaria de ser) é unir esses dois cortes, esse dois jeitos de se ver uma história. A clareza unida a uma sensibilidade atemporal.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

De volta ao espelho

Gabriela olha para o espelho em frente a sua porta, perto do guarda roupa marrom, arruma-se toda, vestido preto, curto, nada exagerado, nada moderado. Um batom levemente rosado, uma pele morena, a música toca enquanto ela olha para os lados rapidamente. Contudo, ela nunca perde o foco, sempre no espelho, objeto parado, imóvel, dançando com ela, acompanhando seus passos, tremendo junto, o espelho e ela extasiados. A música no fundo, alguma coisa moderninha, a melodia a leva, o espelho junto, as calças não escolhidas atiradas no chão, o barulho líquido da areia transformada em vidro, transformado em espelho. Não dá para se ouvir muita coisa do tropeço que a calça rejeitada proporcionou a seu corpo dançante, nem houve barulho, também pudera: ela simplesmente caiu de volta ao espelho, como se de lá nunca tivesse saído. Nenhum caco foi espalhado.

domingo, 9 de novembro de 2008

Epifanias - De manhã

Capítulo I

Foi num acidente que tudo começou, tal como muitas coisas nesse mundo, a partir do erro, dos defeitos é que se chega à perfeição. Mas eu nunca havia pensado assim, não até aquele momento. Agora é como se tudo estivesse claro. Minha mãe ligara às sete e pouco da manhã, cedo, eu não tinha trabalho, era uma sexta feira fria e chuvosa, como se vê de vez em quando. Não queria me levantar, mas o barulho do telefone incomodava fortemente, lutei contra a cama, e quando venci os lençóis, o travesseiro me nocauteou pelas costas. Sempre traiçoeiro, o sono brinca com a gente. Enfim, não era bem isso que queria falar, perdoem as minhas palavras incultas, mas meu modo de escrever apenas reflete a minha capacidade de ver o mundo: pelas entrelinhas. Acabei driblando toda a cama, dando um passeio pelo quarto e vagarosamente atendi ao maldito telefone, como um cachorro manso, sim, era como eu me sentia, um cachorro manso. E com frio. Nenhum pedido faria eu me mover de casa, porém eu ainda não sabia que era a minha mãe. “Alô”, respondi minguadamente, com a voz fraca de quem acabara de abrir os olhos. Mais ordenando do que respondendo, ela disse: “Renato olha só poderia vir aqui em casa? Estou precisando de ajuda sua irmã tem que ir para a escola e seu pai viajou ontem à noite a trabalho Renato preciso que você leve – a para escola com o seu carro”. Assim mesmo, disparando tudo, como se fosse uma metralhadora, sempre nervosa, nunca dizia nada pausadamente. Minha mãe era como um desses diretores de colégios, não falava muito, mas quando abria a boca sempre soava como uma ordem. Respondi que sim, estava indo, tinha só que tomar um banho, vestir uma roupa e já iria puxar o carro...Não pude terminar a sonolenta explicação, ela atrapalhou o meu raciocínio falando bravamente: “tomar banho nada, vem pra cá agora você não mora tão longe vista uma roupa qualquer e venha sua irmã não pode se atrasar hoje.” Para não entrar em discussões que não levariam a nada mesmo, pois o carro tinha sido um presente dela e do pai, e o aluguel do meu primeiro apartamento eles ajudavam a pagar, resolvi apenas concordar e vestir a roupa de ontem mesmo, quando chegasse em casa novamente, aí sim tomaria banho, comeria e pensaria no que fazer.
(..prossegue..)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Teoria número dez: sobre os instantes definitivos. (medos insuportáveis)

Eu ainda continuo aqui, enquanto vocês foram embora, afinal de contas, o meu instante definitvo, a minha chave conciliadora ainda não chegou. E mesmo que demore cinquenta mil anos, esquecido nessa motanha de quilômetros envoltos em estradas percorridas, eu vou me manter em pé, eu vou continuar sangrando. Agora, porque, é sempre assim, todo mundo tem o seu instante necessário, um medo que deve ser vencido, superado. Mas eu ainda não escolhi entre eles, eu ainda não senti o essencial. São os medos insuportáveis que me prendem no chão, que não permitem a minha mente imaginar as respostas para esses instantes, ou fazem ao contrário, me perdem pelo caminho, permitem-me escorregar pelas paredes, pelos chãos, sempre me fazendo fingir andar. Fingir pensar. Fingir que me completo com a situação. O negócio é combater o que não é visível, o medo não deve ser superado apenas pela vontade de descorir os instantes definitos, deve vir de dentro do corpo, escapar pelas mãos, pela pele e fabricar o próprio instante, aquele que a pessoa se descobre, se encontra, se mexe e vira outra coisa, com outra forma e capaz de sentir de novo jeito.

Obstáculo 10

O tempo. Chega dessas malditas horas, pentelhando meu ser, preciso de espaço e de vida para me acobertar. Ninguém vive de passagem, todos devem ser integrados ao ato de não perceber , porque realmente inexiste de opção contrária. Não é nada confuso se você tiver tempo de perceber, se tiver liberdade de escolher seus momentos, de cultivá-los, de fazê-los crescer. Não quero mais nada em troca de não ser quase nada. Quero ter a oportunidade de cometer tudo apenas e de assim, deixar de “não-ser” qualquer coisa a qualquer hora.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Ainda sem nome

É aquela sensação novamente, é necessário correr das coisas que andam me ofuscando, e que eu conheço bem, caso soubessem que eu posso me entender, que tenho certa consciência. O gorducho tinha que se ferrar mesmo. Nunca gostei dele. Sempre vigiando, batendo, jogando pedras, ameaçando-me, que raiva! Mas hoje eu me vinguei. E agora estou correndo feliz com o meu feito. Só não consigo acreditar que ele segue bem mo meu encalço, como uma poça de banha pode ter tanto fôlego? Por que não se dissolve nesse sol escaldante? Derrete e destrói todos esses seres idiotas a minha volta. O meu mundo é mais embaixo, onde eles não olham. E os raros que me enxergam só me dão afagos que não enchem o estômago. Todos voltam para suas casas felizes. Eu não quero só viver. Quero ser de madame e gastar do bom e do melhor. Esse mundo não é para mim. Acelero ainda mais minhas patas, pelo menos tenho quatro delas, posso tirar vantagem nesse terreno. Apesar de eu ser um cachorro e suar pela língua, não é a minha que está para fora: o balofo meio que se perde, não é só a sua boca que demonstra cansaço, todo o seu corpo parece estar ruindo, tropeçando, enfim, destruindo-se pelo calor. Vendo ele parado há alguns metros, de joelhos, e as mãos no chão, é como se eu o encontrasse no meu mundo. Estamos no mesmo plano agora, ele não me encara, baixa a cabeça, parecendo dizer que se entrega, está cansado demais para continuar correndo. E eu meio que paro. É necessário dar uma pausa, o maldito sol queima meus arredios pêlos brancos, pintando o meu manto canino de uma coloração queimada. Poucos momentos bons nessa vida irrequieta. E um deles foi ver a cara desse gordo ao morder a sua mão, o sabor da carne e o sangue escorrendo deram um ânimo a mais nessa tarde. Droga, não gosto de parar. Começo a refletir. E isso tem me feito mal. Só sei que não quero passar mais um segundo a me entregar para estranhos. Jamais. Esse sujeito, é só mais um de uma quantidade enorme de opressores, não pode continuar assim. A questão biológica fala mais alto, entre meus devaneios, me dá sede, muita mesmo, como se viesse de um golpe só, atravancando minha garganta e toda a minha circulação de pensamentos. A calçada está no fim, vejo do outro lado, uma poça gigante de água parada daquelas que se atiram do céu, acumulada. Não penso duas vezes, remexo-me novamente, atrás dela, contudo, na minha frente há aquele deserto cinza e tenebroso, onde máquinas gigantes brincam de correr. Quando era mais moleque até tentava alcança-las, mas nunca sequer as toquei. Desisti então, mas pelo restante da vida senti um temor, algo que me chamava muito a atenção nelas. Ao mesmo tempo em que observo o andar dos grandes gigantes de ferro, ouço a voz conhecida: era o gorducho novamente. Levanta-se parece revigorado, sórdido, inconseqüente, com um sorriso e várias raivas na mão. Ele se aproxima e salta ao meu encontro. E então eu não vejo mais nada, coloco-me no deserto, atrás da água e para longe dele, caso chegasse à outra margem estaria salvo. Mais por desejo e por medo que me atiro, não vejo máquina nem nada. Tudo que sofro é um forte impacto, que me joga a alguns metros de distância, não estou com mais sede, porém, sinto algo escorrer na minha boca, meio meloso, é certo, mas já me solidifica. Minha próxima visão é o barulho e sombras daqueles seres estranhos a minha volta. Sinto algo me segurando, e por fim, vejo-me alcançando a água. Está tudo deserto agora. E aquela poça é só minha. Bebo um pouco e descanso solitário. Nada mais ao meu redor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Com uma pequena ajudinha dos meus inimigos

“E se eu disser que ela ainda mexe comigo?”, fala Tomas para Evandro, levando o copo vagabundo de cerveja à boca. Onze horas da noite de uma quinta feira, véspera de feriado. Os dois conversam sobre Helena. A trouxa da Helena. O amigo interpreta: “mexe em que sentido? fica brigando, ou brincando contigo, ou ainda te balança e te faz ficar enjoado, quando tu vê ela?” O movimento afirmativo da cabeça de Tomas denunciou que se tratava da segunda opção. Ou talvez tenham sido seus olhos intactos, vidrados nos de Evandro, que estremeceram, quando ele mencionou do enjôo, do balanço. Lembrou-se da sensação que Helena passava, como se o deixasse a bordo de um navio, que oscila, sempre tonto. Ficaram ali sentados, um de frente para o outro, as garrafas esvaziando-se, o álcool invadindo tudo. Evandro expulsa o silêncio, gritando: “eu já comi a Helena!”. O que se ouviu primeiro foi um barulho estranho, como se a quietude retornasse apenas por um segundo e depois fosse expulsa por um tornado. Os cacos de vidro das garrafas no chão nunca foram tão vermelhos cor de sangue vivo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Pessoas

“O inferno são os outros” teria escrito Sartre, frase que foi reinterpretada, mantendo basicamente o mesmo significado no seriado “Seinfeld”. Foi Jerry, o protagonista da série americana mais famosa da década de noventa, que a disse, certa vez: “ Pessoas? Elas são as piores!”. Pode até ser verdade, essa afirmação caricata do personagem que representa toda o egocentrismo da década passada, mas será que as pessoas também não podem ser a salvação? Acredito que sim, mesmo que estejamos num tempo em que a crença é algo inerte e fadado ao esquecimento contínuo. De alguma forma ou outra perdemos a fé nas questões mais simples da humanidade. O inferno não está mais nos outros, está em todos os lugares, espalhado por nossa pele, dominando-nos totalmente. Talvez devêssemos expulsa-lo, usando de uma linguagem mais pura e nítida, clarificar as coisas até que surja tudo novo. Mas aí surge a preguiça, são tantos poréns, que tenho medo às vezes de não chegar a ser alguém por inteiro.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Parabéns

Não foi um encontro casual, já estava combinado, eles, enfim, se falariam pessoalmente. O céu já ensaiava uma pequena chuva: a camada de água serviria para cobrir os transeuntes. E, de certa forma, cobri-los também, enrolá-los em uma nuvem mútua de um sentimento que estava para nascer. Ônibus, Universidade, debate e mão, nessa ordem mesmo, as palavras e a conversa fluíam. Interessante ouvi-la, interessante ouvi-lo. Não estavam com receio, mas o sagrado momento da união interpessoal não chegava, parecia sempre beirar, estar preste a acontecer, como um navio que se desloca antes de enfim, aportar. E o instante chegaria perto da despedida:

- Por que você resolveu me conhecer afinal? - ela pergunta, meio que rindo, buscando a verdade nas entrelinhas.

- A gente tem que ir atrás do que nos interessa... – ele respondeu em meio tom, cabeça baixo, olhando e desviando dos seus olhos.

Então pequenos risos tímidos aconteceram, alguns ônibus que a levariam embora passaram, mas ela ainda ficava, como se esperasse o momento certo (mais tarde ela revelaria que era isso mesmo). Foi então que ao se despedir para pegar o transporte coletivo final, enquanto trocavam beijos no rosto, a boca foi se desviando e encaminhando-se como se seguisse uma trilha para o outro lábio. E então eles se chocaram, criando outras oportunidades, outros caminhos, outros mundos. E mesmo que chovesse pelos corpos, e mesmo que se o sol chocasse na terra, nada poderia parar aquela sensação.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Contato

Foi com receio que ele se aproximou da porta de madeira da casa velha. A mãe proporcionou a motivação: tirou - o do carro com uma força que ele, até então, não conhecia, falou boa sorte e entrou novamente. Ligou o motor e partiu, o menino só observou , pode ver o automóvel virando a esquina, o velho carro cinza que a mãe tanto cuidara. Ao dar a volta para encarar a porta, um estranho o esperava. Mascando um chiclete, ou qualquer outra coisa de goma, ele fechava e abria a mão, como se fosse trabalhar no campo, arando a terra. Encabulado, o rapaz foi ao seu encontro, segurando a mochila nas costas, com o espírito inquieto e punhos cerrados. Entrou em silêncio na casa, compartilhando – o com os móveis e o chão empoeirado. O velho ainda demorou alguns segundos, olhou pausadamente para os dois sentidos da rua, depois caminhou até a porta e a trancou. Ambos não sabiam o que dizer, talvez já fosse tarde - para qualquer contato, para qualquer aproximação. O menino se sentou e ficou lá esperando, percebendo toda a barreira que se instaurava entre as gerações. Sem saber o que falar, o velho trouxe uma foto, que achara em meio a desordem do seu quarto, da sua vida. Cuspiu o chiclete fora, se aproximou lentamente e esboçou as palavras:

-Sua mãe, quando criança tinha esses seus olhos...

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Crescendo (ou como eu queria que isso não acontecesse)

Comecei a notar a diferença em suas atitudes no momento em que ela deixou de abanar para mim da janela de vidro da cozinha, quando eu saía para a faculdade. A mão branca e pequena sempre pendia por trás da cortina que dividia o rosto em dois, os joelhos na cadeira para conseguir me enxergar. Aonde eles estavam agora? Ao chegar, já no final da tarde, ela também não me procurava mais: se ocupava agora com a tevê, ou com a nova maquiagem que a mãe tinha comprado. Com o tempo, os programas que ela assistia também mudaram, não eram mais tão infantis, onde estaria o Bob Esponja e o siri cascudo? Os seus gestos, antes tão meus, antes tão nossos, agora eram afastados sem querer, por um muro que o crescimento cria – a infância, infelizmente, não pode durar para sempre. Não consegui evitar certo ressentimento em não poder mais pega-la ao colo, ou leva-la na vó, “agora eu já sou grande, mano”. “Grande com nove anos”, penso eu e a seguro pela mão, quase que pedindo para levá-la e enfim, conseguindo conduzi-la até a casa da mãe do nosso pai.

É, o tempo passa Rafael, o tempo realmente voa.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Teoria número nove: sobre filmes e comportamentos

Liguei a televisão, canal global, o filme que se sucedia, assim mesmo sem conexão, era um daqueles da Xuxa, perdido pela tarde, cantando velhas canções, quase mortas, da década de 80. Não resisti a tentação de apertar o botão off. Não queria ficar enjoado. Pois é, acredito que haja uma bela ligação entre filmes e comportamentos, vontades, necessidades. Ver um filme deixou de ser apenas uma diversão há muito tempo. Eles ditam as nossas vontades. Por exemplo, estou perdidamente apaixonado, meu coração de idealista romântico pede um filme (adivinhe?)romântico. Pode ter certeza que o melodrama água com açúcar entrará como um soro na minha veia, e eu terei o meu remédio. Isso, porque há um grande diálogo entre o meu corpo e o filme, trocaremos sinais de entendimento: ele saberá exatamente a hora de me emocionar e eu a hora de acabar cedendo. A música tocará o meu sentimento, a relação entre os personagens me levarão a um outro sentido. Tudo me levará a um maior entendimento das minhas sensações e me fará ver o romance na minha pessoa. Os filmes são uma das fontes de maior compreensão e inspiração nesse mundo, por deus esquecido.

Obstáculo 9

São as palavras repetidas que me fazem suar. Todos os dias são travadas inúmeras batalhas, atrás daqueles vocábulos carrancudos que se escondem na cabeça, e se perdem pelos pensamentos tortos. O desafio é não estagnar nessas sinuosidades, sempre é necessário pensar no texto: abrupto, puro, delineável. Capaz de tecer linhas imaginárias com o leitor. Que ele possa sensibilizar, ou proporcionar a reflexão em todas as frases menores . Mesmo que seja apenas uma página pequena, composta por um discurso difuso, singelo, inexorável. Tenho medo daquilo que não podemos ver, mas o medo é o que mais me motiva na busca a novas palavras: um muro eterno que se deve transpor, uma luta sempre nova e sempre sempre.

sábado, 27 de setembro de 2008

Gerações musicais

Às vezes eu queria soar como aquelas músicas românticas dos anos cinqüenta, quando as pessoas cantavam com ternos engomados, sapatos lustrados, alguma substância melequenta no cabelo e com o coração na mão. Na mão, droga. Depois, eu penso melhor e imagino o quão pode parecer demasiadamente sentimental uma afirmação dessas, talvez, devesse pular uma década, imaginando-me nos anos sessenta, com a geração betlemaníaca. Dando gritos histéricos de guriazinhas idiotas, e crescendo junto com o quarteto de Liverpool, viajar nas suas canções, observar o amadurecimento das letras e das melodias, o modo como ditavam a moda, os cabelos, os bigodes, as drogas. Tudo fluiria sob mim e sobre mim, marcando minhas atitudes, mas alguma coisa na minha mente me faz pensar na década de setenta. Suas músicas disco maravilhosas, o groove do contrabaixo a empolgação das pessoas. O que importava era o ritmo, o balanço. As calças bocas de sino, o cabelo black power, e por outro lado o hard rock que começava a nascer, os hippies e john lennon na ativa contra a guerra do vietnã, o punk surgindo na Inglaterra e nos Estados Unidos. As grandes viagens do Pink Floyd, toda uma geração cantando, toda uma geração ouvindo músicas da melhor qualidade. Não sei qual seria a melhor época, ainda há os malucos anos oitenta, com as inovações pops, a voz estonteante de Freddy Mercury, e o nascimento absurdo do techno. Os cabelos volumosos, os ternos bregas, as letras bregas, as cores bregas. Tudo florescendo novamente, como uma bomba de novidade, além disso, a maioria das canções pareciam ter um eco triunfante nessa época. E então chega a crueza dos anos noventa, Kurt Cobain, jogando toda a purpurina da década passada para o lixo, sendo direto, juvenil, rebelde, imaturo. Morrendo jovem. Talvez a década de noventa tenha morrido jovem, ou viveu jovem por tempo demasiado. Beck e outros cantavam o modo “loser” de ser. Os nerds começam a entrar na moda, e mais para o final da década, surgem as bandas de pós rock, indies, nova invasão britânica, todos com nomes diferentes, mas com uma sonoridade muito parecida. As letras se tornam cada vez mais pessoais ou intimistas, mas todas as canções tristes continuam falando de amor. Seja com meleca no cabelo, com gritos de ié-ié-ié, calças bocas de sino, eco triunfantes, ou juventude exagerada.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"É final de setembro"

Renato caminha pela calçada em frente a sua casa, conta os passos, conta a respiração, depois pausa e tenciona entrar em sua residência. Mas não consegue. Quem estará lá dentro? São sempre pessoas diferentes, tantas personalidades envoltas em uma família. "O que eu serei, quando atravessar a porta?" ele pensa. Em seu caso, dependia da época do ano, do mês, da estação. “É final de setembro”, sopra as árvores ao lado, e ecoam, chegando a sua cabeça, pulando para dentro do sangue, dançando nas suas articulações. “É final de setembro”, continuam os Ipês ao seu redor. Assustado, mas entendentendo o que se passa, ele levanta do meio fio na calçada. Porém não é mais Renato, transformado ele se confunde com a estação ao seu redor. Atravessa o portão calmamente, cada vez mais solidificando os pés no chão, trancando suas raízes no pátio, tornando-se parte do verde, parte da terra. Parte da família.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Entre parênteses

Queria ser como uma escada que não pára de subir. Como o céu cinza antes da chuva, o tempo todo envolto em águas, o tempo todo esquecendo o tempo. Queria poder tocar o céu e depois descrevê-lo no ouvido dela, como se fosse a droga de uma canção que nunca deixará de tocar. Queria colar nela e sumir, sumir junto. Mas não é o que acontecerá, enquanto os acordes ainda batem no seu ouvido, eu já estarei a mil metros de distância. Porque eu sou assim. Não tenho jeito, não sei se quero ter um jeito. Certas pessoas nunca mudarão, a vida é fugaz até termos consciência que não viveremos para sempre. Não sei, no momento só escrevo o que o dedo quer, o que o teclado quer, o que a tela diz que quer. Como você deixou de acreditar em você mesmo, rapaz? Ah, esqueça tudo, uma dose de vodka resolverá o seu problema. Eu estava cego, mas agora posso vê-lo. Alguém pode apagar aquela luz?

Fale comigo, fale comigo.

sábado, 13 de setembro de 2008

Notuss (paracetamol, cloridato de difenidramina, cloridato de pseudoefedrina e dropropizina)

O remédio que venho tomando para tratar a maldita doença na garganta, que me ataca faz um tempo, me dá um sono incrível. É difícil se concentrar para fazer qualquer coisa útil, tal como ler algum texto para a faculdade, ou começar a escrever aquela matéria para o jornal. Não dá. O que ando fazendo nesses últimos dias é me medicando, vendo vários filmes que aluguei e descansando, torcendo para que a faringite vá embora logo. É incrível como a garganta pode derrubar a pessoa. E é nesse ponto que consegui perceber como todas as coisas estão interligadas. Assim como essa dor a que acaba influenciando todo o resto do corpo, as nossas ações na vida também acabam criando novas atitudes. O que fazemos modifica todo o ambiente ao nosso redor. Para melhor, ou para pior, talvez no fundo nosso subconsciente saiba exatamente disso, que nós não temos força para nada, que somos medrosos e agimos por impulso, não sei. Só sei que estou com sono, e meus dedos também, mas o remédio é necessário, ele vai me ajudar na tosse...


obs: adeus, lucas. Fique forte na sua nova empreitada, sucesso. Aqui vai o link do novo endereço dele: http://objetividades.blogspot.com/

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Cansei. Tô fora.

Não quero mais escrever como Rafael Gloria, cheio de eufemismo e delizadeza da língua, cansei de postar aqui. Fora que ninguém comenta as minhas postagens, acredito que seja porque poucas pessoas entrem nesse maldito blog. Confesso que no começo admirava seu estilo, tentava imitá-lo descaradamente, mas cansei. Um texto deve ser objetivo, direto, conciso. Um texto para não ser lido amanhã, que diga tudo agora. Deve se pegar o fato principal, iluminá-lo e deixá-lo a luz das coisas naturais. Assim como o texto de jornal, assim como uma boa notícia dependurada. Todo mundo deve entender. Esse será o meu maior desafio agora, sem reflexões filosóficas ou existenciais que no final não levam a nada mesmo. Abandono o blog, abandono o meu estilo e me dedico ao cotidiano, ao objeto concreto da realidade. Em breve pedirei para o rafael postar o endereço do meu novo blog, afinal me despeço do blog, mas não perco o amigo, só perco suas influências.

Lucas Felt

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As minhas mortes

A primeira vez que eu me dei conta que as pessoas não viveriam para sempre eu tinha 7 anos. Já era quase meia noite, e eu não conseguia dormir, vira na televisão que talvez um meteoro acertasse a terra, lá pelos, então distantes, anos 2000. Até esse momento eu pensava que ficaria eternamente com os meus pais, minhas irmãs, meus brinquedos. Por que tudo aquilo deveria acabar? Não seria justo. Meu pai, percebendo minha angústia, me acalmou, falando que seriam somente suposições, não se poderia confirmar, e que ele sempre estaria por perto. Minha mente avoada de criança deixou o assunto de canto – mas aprendera uma lição: todo mundo ficará sozinho em algum momento.
A segunda vez que eu me dei de cara com isso, foi quando estava na quarta série, era aniversário da minha mãe e eu recebi uma ligação de um colega e amigo de colégio. Uma das primeiras notícias mais tristes da minha vida, nossa companheira de sala havia morrido num acidente de carro. Ainda me lembro da minha reação: eu comecei a rir. Primeiro, porque achei que era uma brincadeira de mau gosto, mas depois que confirmei a veracidade de suas palavras, o riso tomou outro rumo, o do nervosismo, o de não saber lidar com a situação. Como uma pessoa que por vezes sentara do meu lado poderia desaparecer de uma hora para outra?
A terceira vez foi quando eu realmente percebi como a morte age, porque foi perto de mim. Ela tinha quase 16 anos, já era velha para o padrão canino, e tudo parecia atacá-la. O tempo, os pêlos, as patas, os medos. Já era a sua hora, e o manto preto rondava a casa, como se escurecesse toda a nossa família. Me lembro nitidamente da última noite, todo mundo sabia que não possuía muito tempo de vida, tentávamos animá-la, fazê-la dormir dentro de casa, dar um cobertor, tentar impedir de alguma forma o final já esperado. Mas ela se recusava. Já era noite, quando de longe a vimos caminhando respeitosamente para o canto do pátio, perto de um aglomerado de folhas caídas da árvore. Ela ali deitou e esperou, como se fosse o destino de toda a humanidade, de cada ser vivo que respira na terra. Nenhum de nós ousou ir atrás para forçá-la a entrar em casa, ela não queria isso, ou melhor, ela não merecia isso. Iria morrer, como escolhera, como tudo no final evacuará: sozinha.

domingo, 31 de agosto de 2008

Teoria número oito: sobre auto-mentira e desilusão esperada.

Não há como contestar, todo mundo mente para si mesmo, o que pode variar é a sua intensidade, a sua importância para futura resoluções. Porque, ao fazermos isso, acabamos criando um mundo que não existe, uma “outra realidade”, onde você pode ser a pessoa mais importante do momento, ou alguém que tem tudo que sempre quis. O indivíduo modifica o mundo que está em sua cabeça, por meio de uma ilusão, obviamente. Contudo, isso é tão fraco quanto a estrutura de um copo de vidro fino. A mentira não dura muito tempo, e se durar, ela vai minar o seu subconsciente. Pouco a pouco. Cada vez mais suas atitudes caminharão para que a verdade seja dita. A pessoa se autoconfrontará numa batalha sem vencedores. E então chega a desilusão que sempre foi esperada. Que só espreitava de mansinho, esperando a hora de chegar. E todo o seu mundo escapa por água a baixo, por entre pensamentos falsos, por entre meia verdades desconexas. E então o que fica é o seu "eu real", que agora deve ser trabalhado, reconstruído sem tantas mentiras, sem tantos medos.

Obstáculo 8

O problema é o tempo. As horas tendem a não combinar com os acontecimentos (pelo menos no meu caso). Sempre quebradas em vários terços diferentes, que teimam em se enrolar nas minhas mãos, no pescoço. Uma vez alguém me soprou que os minutos eram o contexto da vida, por onde caminhávamos, deixando as pegadas, as solas dos pés. Digamos que, se for assim, meus sapatos sempre estão muito sujos. A verdade é que o tempo sempre será inversamente proporcional ao que eu gostaria de ter mais. Conversas, amizades, beijos, música, viagens. Tento, não sei se com muito sucesso, cristalizá-lo nas palavras, nas frases, esse é o único modo de transcender todas as coisas efêmeras da vida.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Entre

O que me deixou mal, na realidade, foi o desdém. Próprio. O achar feio, chato, não necessário, quando eu já soube muito bem como os corpos se pedem. É que eu estava no meio. Entre o casal. Os dois magros, finos, delicados, brancos e loiros. Pareciam ser de outro país. Ele entra no ônibus meio torto, como se não quisesse ir embora, ela fica na calçada, perto da janela, perto da janela onde ele está de pé. Ônibus cheio. Eu também estou ali, só que sentado. No meio daquele amor, daquela generosidade enjoativa. Beijos desenhados no ar, as palmas da mão batendo no peito, insinuando que ali mora um sentimento incrível. Eu penso que também já o senti, que não é nada demais. Noto-me um velho rabugento perante eles, como se estivessem fadados para o fracasso, que nada dura. Fiquei ali sentado, observando-os, não querendo olhar, mas não conseguindo evitar a tentação. Enfim, eles se despedem: ele joga a mão para a fora, ela o alcança, as peles se tocam, mais uma vez. Talvez eles se vissem daqui a uma hora novamente, ou talvez ele fosse viajar e eles nunca mais trocassem olhares. Aquilo não importara no momento. Quando as pessoas realmente se gostam, as emoções são muito fortes. Tanto que consegui sentir na minha pele. Foi nesse momento que o desdém desapareceu, substituído por uma doce nostalgia romântica que há tempo não me tomava. O céu ficou mais escuro e a lua agora banhava o ônibus, como se todos nós fossemos morrer no minuto seguinte.

sábado, 23 de agosto de 2008

Recapitulando Rafael Gloria:

"demais, demais"
"tô brincando, tô brincando"
"ah tri"
"tipo polônia"
"só existe aquilo que ouço"
"acho que vou cortar o cabelo"
"desculpa"
"viver é perigoso"
"é...complicado"
"de se pensar"
*riso tímido*
"não sei..acho que sim
*mexe no cabelo*
"pois é"
"a vida é assim!"
"to indo embora." (na verdade demora mais uma hora para ir)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O pescoço

Mostra-me o teu pescoço. Só mais uma vez. Já falei que me apaixonei por ti desse jeito? Sim, sim. O teu pescoço, tão longo, como uma ponte sinuosamente escrita que leva à tua boca. Ao teu rosto. Um pescoço que pede para ser acariciado, tocado, beijado, um pescoço cheio de ritmo e pensamentos. Sim. O teu pescoço foi a primeira coisa que eu notei. Tua altura, o teu modo de andar, o teu cabelo curto, tua cara de pretensão? Não. Nada disso. Apaixonei -me pelo pescoço, e pelo modo como ele te diz. Do jeito que ele te explica. Mesmo sem te conhecer, teu pescoço já é meu íntimo. Ele te define alta, imponente, não explicativa, uma incógnita a ser resolvida. Puro cansaço. Pura boa vontade. Teu pescoço demonstra alta capacidade de se ter ambição em te amar. Teu pescoço é uma pergunta curiosa e não um convite. Tu não dá convites, teu pescoço não é um salão de festas. Só para pessoas altamente qualificadas que consigam passar no teu teste final.
O pescoço dita à música, diz o ritmo, mostra as direções, explica os caminhos, demonstra os objetivos. Quebra algumas respostas. Tudo bem, mas tudo bem, se agora não queres mostrar para mim esse caminho para as perdições, se preferes cobri-lo com um cachecol preto cinza, vá em frente, mas não finja. Por favor, não minta com os seus olhos. Esses seus olhos castanhos claros, castanhos escuros, que quando o pescoço encontra-se uniformizado pelo cachecol, é a peça mais bonita da sua formação Amêndoas, castanhas, nozes que eu queria saborear. Duas esferas redefinidas pelos astros não explorados dos universos estranhos que devem existir à nossa volta. Não é o mesmo modo de sentir, pois são duas razões distintas. Teu pescoço, tua pele branca, teu medo de barata, tua voz rouca na escuridão da noite. Todas as coisas que eu imagino, quando bebo vodka. Tudo isso se junta quando olho para o seu pescoço. E depois quando olho para os seus olhos, e às vezes quando eles se encontram – mesmo que infimamente – eu quase debruço de falência de sugestão. Própria. Nunca sei o que dizer. Sempre acho que não nota, ou que olha para meu lado sem querer. E assim vivo brincando de te esquecer. Pescoço por pescoço, olho por olho.

por Lucas Felt

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Três delírios de livros em um mês de férias

O trago de ontem à noite me deixou enjoado e machucado, que porra mesmo. Não deveria ter apostado com o Tobias e o Manuel, aqueles viados, quem beberia mais. Não consigo dizer não para um desafio, ainda mais um desses. Começamos a entonar as cachaças, os destilados, as vodkas perto da meia noite. E era duas da manhã quando Manuel, o mais fraco, caíra, primeiro vomitando todo o assoalho da casa de Tobias e depois desabando quieto no chão, distorcendo - se e enfim, acalmando-se gradativamente, ficou ali mesmo, formando uma letra “S”. Tirei os olhos dele e fixei no meu adversário, agora me bastava vencê-lo. Poucos triunfos foram me guardados para essa vida, mas nunca perdi na capacidade de virar o copo. Mais meia hora adentro, os olhos se encarando, cada um tentando revidar. A luz amarela da lâmpada velha da cozinha podre era um pequeno sol que nos fazia derreter a cada dose de tequila. Perto das quatro da manhã, com as pernas já cambaleando, lutando contra a bebida que desejava subir para o cérebro, observei Tobias cair, dançando alguns segundos sozinhos, falando besteiras sem sentido e desmoronando em cima de Manuel, sua cabeça de forma de pêra caindo na bunda branca e flácida do amigo, fedendo juntos, loucos juntos. Eu já quase os acompanhando também, não poderia me dar por vencido, peguei meu casaco, comi um Misto Quente da geladeira, apaguei a luz da casa de Tobias e saí como um grande campeão para a rua, chegando no pátio com grama verde limpa. O cachorro de Tobias fazia um pequeno serviço perto de uma árvore, era um bicho estranho e bizarro, fui tentar brincar com ele e acabei tropeçando em cima do pobre animal: caí adormecido-bêbado-idiota.
Sempre tive dificuldades com você, meu pai, resolvi escrever-lhe esse email com todas as minhas mais repletas angústias e medos, porque meu psicanalista falou que seria bom, já que não tenho muita intimidade com o seu olhar. Acredito que esse seria o nosso primeiro passo para uma relação normal, não sei. O primeiro processo. Será difícil perdoar os anos inoperativos e imperativos do seu reinado sobre a minha pessoa, construindo minha personalidade fragmentada, não respeitando as minhas escolhas, influenciando sobre cada mínima decisão do meu subconsciente, como se eu não pudesse tomar nenhuma resolução de minha autoria. Um juiz de custódia do meu eu. Causador do meu excesso de pronomes possessivos nas frases. Deveria ter escrito uma Carta ao Pai, mas não tive coragem, era algo tão pessoal. Não quero nada disso com você agora, caminhemos primeiramente pela informalidade. Talvez a culpa não seja sua, e sim minha. De repente, eu era uma criança muito fraca para te entender, não perceber a sua capacidade de educação, seus medos que se viraram contra mim, talvez eu devesse ter suportado tudo isso, aguentado quieto no meu canto, e esquecido. Mas dei azar de nascer com esse excesso de sentimento, de sentir por todos os poros da minha pele. E você machucou-me me pai. Por quantas vezes não chorei por ti, não sabendo como agir? Até que esse misto de emoções foi virando desprezo e abandono, e por que isso, pai?
Entrei no ônibus. O Cobrador parecia irritado, já sabia o porquê: era dia de passe livre. Muita gente no veículo, ninguém se respeitando, criança gritando pela boca, pelos poros, pelas mãos e pelas mães, velhos chatos e ranzinzas, reclamando de tudo, o sol escaldante do maldito fevereiro do carnaval e para completar aqueles três malucos lá atrás. Pareciam só querer confusão, fazendo barulho, atrapalhando todos os outros. Que merda, penso eu. E não tiro os olhos do estressado cobrador, parecia um cara bem nervoso, irritado, sangue quente, como se fosse estourar com o próximo que passasse pela roleta. O motivo, claramente, são aqueles três no fundo do ônibus, estragando a sua condução, o seu meio de transporte e de trabalho. Não se deve mexer com o sustento de um homem. Suado ao extremo, o cobrador movia a cabeça para todos os lados, sempre procurando com os olhos os três elementos. A barulheira continuava e só parecia mais forte, o sol também, como se o ônibus fosse ao encontro da grande estrela quente. Então foi em um segundo que tudo aconteceu, o pulo do cobrador sobre as pessoas, como se se jogasse num oceano composto de pele humana e de suor que o separava dos três indivíduos. Navegou pelo emaranhando de corpos e encontrou o grupo, puxou uma arma que trazia escondida e atirou a seco nos três indivíduos, foi cruel e rápido, acho que não teve dor.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

boa sorte.

Durante essa semana recebi quatro ou cinco boa sortes. Por que tantos? Não haviam motivos, nem nunca acontecera antes, será que o destino, ou alguma outra bobagem nesse sentido estava aprontando alguma porra de problema para mim? Boa sorte. Não preciso de boa sorte, isso só atrai mais adversidades. Acredito que seja o adjetivo Boa. Não se qualifica uma palavra como sorte. O que eu quero é só a sorte. E seja do que for. A sorte dos caminhos descruzados, das verdades ditas na cara, do medo do escuro, da noite suja convidando a pessoa, dos bêbados idiotas e inteligentes. Quero todo o tipo de coisas, não preciso só da boa sorte, anseio pela má também. A experiência é a mãe de todos nós. Desejo pela sorte de todas as coisas do mundo.

Post pequeno: vontade pequena, tempo pequeno. Vida grande.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

"não tenho afeto para dar"

“Não me mexi na cadeira quando percebi que minha mulher abandonava o seu canto, não ergui os olhos quando vi sua mão apanhar o bloco de rascunho que tenho entre meus papéis. Foi uma caligrafia rápida e nervosa; foi uma frase curta que ela escaeveu, me empurrando o bloco todo, sem destacar a folha, para o foco dos meus olhos: “Vim em busca de amor”, estava escrito, e continuei com os olhos pregados na mesa. Mas logo pude ver sua mão pegar de novo o bloco e quase em seguida me devolvê-lo aos olhos: “Responda” ela tinha escrito mais embaixo numa letra desesperada, era um gemido. Fiquei um tempo sem me mexer, mesmo sabendo que ela sofria, que pedia uma súplica, que mendigava afeto. Tentei arrumar (foi um esforço) sua imagem remota, iluminada; provocadoramente altiva, e que agora expunha a nuca a um golpe de misericórdia. E ali, do outro lado da mesa, minha mulher apertava as mãos, e esperava. Interrompi o rabisco e escrevi sem pressa: “Não tenho afeto para dar”, não cuidando sequer de lhe empurrar o bloco de volta, mas nem foi preciso, sua mão, com a avidez de um bico, se lançou sobre o grão amargo que eu, num desperdício, deixei escapar entre meus dedos. Mantive os olhos baixos, enquanto ela deitava o bloco com calma e zelo surpreendentes, era assim talvez que ela pensava refazer-se do seu ímpeto.”

Excerto do conto "Hoje de Madrugada" de Raduan Nassar.

Nada a declarar, apenas queria que comentassem o que acharam...
Eu ...
achei essencial.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Teoria número sete: sobre sonhos e vontades distantes.

Quem nunca, durante um sonho bom, acordou – ou foi acordado – abruptamente (não andam respeitando nem o sono mais) e desejou, com todas as forças, voltar imediatamente para o seu delírio maravilhoso noturno? Todo mundo tem essa história. Outras pessoas estão lá sonhando alegres e, de repente, percebem que as situações estão estranhamente perfeitas e, logo, dão – se conta que estão em um sonho. Uma ilusão, uma mentira deslavada que o nosso subconsciente prega. A verdade é que ele só apresenta para nós o que tentamos esconder. O que está lá atrás e não observamos – ou que não queiramos ver. É tudo parte de uma mentira bem maquinada pelo nosso corpo, talvez ele só quisesse nos deixar feliz por certo tempo, quando nos dá um sonho com algo que a pessoa anseie muito e não pode ter, ou talvez ele queira apenas brincar com as nossas vontades. Os sonhos mostram as várias facetas que possuímos, os desejos, os reparos, os medos, a vergonha. Um maior estudo sobre seus significados podem dizer muito sobre o indíviduo, descrevendo as suas vontades internas demasiadamente.

Obstáculo 7

Jamais deixe seu corpo se acostumar a outro corpo. Depois não há volta. As peles se conhecem, anseiam toques, e mais tarde, quando não houver mais a mínima intimidade entre o casal, entre os amigos, entre duas pessoas unidas por quaisquer laços, elas sofreram interruptamente. Descascam, denotando uma aparência fraca, estranha, visivelmente áspera para o seu dono. E todo o corpo, como uma construção, começa a se implodir, desmoronando por lembranças. A readaptação é o que mais me incomoda: esquecer o cheiro, o jeito, os dedos, as pernas, os medos, os costumes. Abandonar tudo, sofrer por um tempo e simplesmente esquecer – talvez aprendendo com os erros, ou com a situação. Não há maior barreira que essa entre a pessoa e um novo passo. Mas às vezes é preciso destruir para consertar a vida. Tudo começa com uma boa dose de coragem.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Um novo dia

Querida, Mãe..

É um ambiente bastante quieto e acolhedor aqui, diria que os vizinhos são mais interessados nos seus animais que pastam tranquilos a grama verde – que o sol bem de manhãzinha atravessa – do que nos indivíduos ao redor. São pessoas, realmente, mãe, e não dão bola para os outros. Para o que os outros pensam e fazem. O que eles vestem, comem, brincam, falam. É tão bom, mãe. Mãe, quando eu juntar bastante dinheiro eu vou dar um jeito de conseguir te trazer. Vai ser o ouro, mãe, o ouro. Que nem aquelas férias em que nós fomos para as montanhas, se lembra? Eu, tu, o pai, e Anna. O que aconteceu com a Anna, mãe? Eu nunca mais soube dela. Casou e sumiu. Mas eu não, mãe. Eu fiquei aqui, eu te vi sofrendo, mãe, eu te vi chorando e caindo toda a hora. Eu estava lá, você se lembra, não é? Sim, foi difícil, mas eu tive que partir também, todo mundo tem sua hora, não é, mãe? Achei uma boa terra para a senhora aqui e vou te trazer, mãe. As coisas aí não são boas para a senhora. Aqui a terra é fofa, viva, mãe. Ela fará bem para a senhora, é um ótimo lugar para se descansar, mãe.

Com carinho, Lucas Felt

Contagem, 1948

terça-feira, 22 de julho de 2008

Sem saída.

Moro há vinte anos numa rua sem saída. Sabe como é, sem escapatória, como se cada pensamento, cada pessoa, cada situação que eu atravessasse batesse na parede e retornasse para mim. De novo. Mais uma vez. Outra chance - ou mais uma chateação. Posso dar inúmeros exemplos: a repetição sempre me chama. Logo, aprendi a me acostumar com isso. Substitui o adeus, pelo até mais. O fique bem pelo cuide-se. Quantas situações eu já sabia anteriormente que as encararia novamente? Mulheres, aulas, pessoas, amizades. Viver numa rua fechada, hermética é o significante real do meu ser.
Outra das minhas sinas são as mãos, muito da minha vida pode ser explicado pelos dedos que se quebram no inverno, um problema de pele mal resolvido, a verdade é que necessito deles para começar tudo (ou para repetir tudo) num eterno reciclo de mim mesmo. A rua pela qual eu caminho é uma extensão dos meus pensamentos, ela me preenche e me influência, ela me abraça e me nota, diz tudo que eu já sei, repete comigos ensinamentos chatos, os bons, os ruins, estamos intimamente interligados, porque eu sou um garoto de uma rua sem saída, um cara sem saída.

sábado, 12 de julho de 2008

Metáforas da vida

As situações explicam as pessoas. As frases que usamos, as palavras, o modo como soltamos as idéias, os pensamentos, os rodeios que montamos, tudo isso nos apresenta. E na maioria das vezes não percebemos isso. Se você abaixar a cabeça para alguma coisa, estará se rendendo para todas as suas futuras ações. Se desviar os olhos no momento do beijo, e ele não sair direito, essa é a metáfora que rege muitas coisas na sua vida: explicitada apenas pelo modo como não encaramos as coisas. Preste a atenção, você está em todas as coisas (e quando digo “coisas”, pense no modo de respirar, caminhar, segurar a caneta) que faz. Os seus atos criam o seu caminho, mancham de destino todo o percurso. Depois tudo vira alegorias,ou melhor, tudo sempre foi metáfora de você mesmo. Suas ações são compelidas a mostrar tudo que você é, logo, as metáforas também podem te ajudar a modificar o que você viria a ser. Fique atento nas situações, repare em cada momento mais ínfimo da sua vida.

(cuide-se)

- Nós poderíamos ter dado certo, você sabe?
- Por que essa mania de colocar o verbo no passado...troque para o futuro..
- Tem certeza disso..você também acha?
- Se continuar com esse receio chato, eu já não sei de mais nada...
- Então que tal...Nós poderemos dar certo..espere...tá certo fala assim?
- Não sei se tá certo, mas eu achei bem melhor...agora me dá um beijo, e não me olha desse jeito, eu tenho que ir.
(Beijo)
- Cuide-se por lá, aproveite.
- Certo...Vou tentar escrever..
- A gente se fala..
- A gente se fala..

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tal qual Álvares de Azevedo

Carol suspira. Olha para a porta fechada do quarto, seu próprio aposento, depois vira o pescoço, procurando o guarda-roupa, já meio antigo e inadequado para o volume de seus pertences. Enfim, ela pára os movimentos, e fala para Evandro, ou para quem pudesse estar no recinto:
- O que aconteceria se nós morressemos amanhã?
O rapaz não esperava essa pergunta, meio sem jeito, olha para o chão, procurando alguma resposta, como se todas as coisas da vida estivessem por lá. Reluta um instante, observa os olhos misteriosos – e sempre sensuais de Carol – atrás de algum argumento válido (ou ao menos algo não tão idiota para se dizer) e solta:
- Sabe, Carol, quando eu penso nisso, eu sempre me lembro das pessoas que ficariam por aqui, sabe? Como elas se sentiriam...é tão egocêntrico. Mas talvez, não sei, acho que talvez seja uma daquelas coisas que seguram as pessoas...– Carol não olhava para Evandro, parecia só ter olhos para a parede branca, onde pendia um retrato seu, aos quatro anos de idade – acho que é isso, talvez esse egocentrismo segure nossa vida – continuava o rapaz.
Evandro levanta da cama, ainda está nu, começa a se vestir, primeiro a camiseta com listas verdes e brancas, depois a cueca e aos poucos a calça jeans. Faz menção de abrir a cortina a fim de poder ver a claridade, mas Carol faz cara feia. Desistindo da ação, agora vai a procura de um cigarro, depois o banheiro, era preciso lavar as mãos.
- Por que você sempre vai embora depois, Evandro? Eu não sei porque você faz isso, eu não sei...
Primeiro ele finge não ouvir, talvez o barulho da água da torneira o ajudasse no pequeno teatro, mas quando ela repete pela terceira vez não é possível mais enganar.
- Preciso sair porque é tarde, tenho que trabalhar. Por que não se mexe um pouco? Ninguém vai te fazer andar. Ninguém vai vestir você e tocar a sua vida. Não podemos viver no piloto automático sabia...?
Carol toda tapada pelo lençol branco, escuta, mas nem diz nada. É sempre a mesma resposta. Não fazia sentido para ela trabalhar, para quê? O que ganharia com isso? Tudo que ela precisava estava naquele quarto. Fita os olhos no retrato de criança, quase como se sugasse ele todo. Prende os olhos, sentindo toda a vontade de gritar. Mas acaba só dizendo
- Sem espaço para mim nessa vida.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Teoria número seis: sobre escondimentos e o ato de se apaixonar.

Está confirmado, as pessoas se escondem por trás das palavras, por trás das atitudes. Criamos barreiras para nos defender dos outros. E de seus medos, de suas idéias, de seus segredos. São pequenos – ou enormes – muros de proteção que se enrolam em volta dos nossos corpos, como se realmente nos deixassem isolados, sozinhos com os pensamentos. Logo, escondemos o amor em planos diferentes também, abrimo-nos devagar, apaixonamo-nos com calma, carinho, exatidão eu diria. Amor às vezes é mais linha reta do que difusa; acontece que essa linha ultrapassa várias camadas (mas sempre segue a mesma trajetória). São as mesmas camadas que usamos para nos esconder. A paixão vem em onda, em tipos diferentes de frequencias e oscilações. Quanto mais você ultrapassa as camadas, quanto mais descobre as pessoas, maior tendência você tem a se apaixonar. John Lennon estava certo quando dizia que você tem que esconder o seu amor: encontra-se aí toda a graça da vida, esta aí o motivo principal de existir.

Obstáculo 6

Vimos nas mãos, nem precisou de cigana – essas videntes chatas que andam no centro, e que pensam ter intimidade para segurar o braço de todo mundo. Droga. As linhas cruzavam diferente, nada combinava. Nem formar a letra “eme” a minha sabia desenhar, parecia totalmente desajustada, atrapalhando a união. Caminhos diferentes, sabe? Tentamos não ligar, num primeiro plano, continuamos saindo, mas no fundo já estava tudo decidido, como se fossemos apenas joguetes numa porra de tabuleiro construído por alguém maior (talvez todos nós sejamos crianças brincando num grande parque de diversão, cheio de altos e baixos). Alguém decidiu dar o nome de destino, mas eu chamo de trama, spot, roteiro da vida. O mundo é assim, cheio de reviravoltas, as pessoas vão embora, quando talvez pudessem se gostar, quando talvez pudessem construir novos spots. Mas a culpa é das minhas mãos, porra das mãos.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

a vida precisa de céus cinzas, assim como nós precisamos de um tempo às vezes.

Eu esqueci o que ia escrever, assim mesmo, e parando para pensar, não consigo (mesmo, mesmo) lembrar o que estava me remoendo internamente. Seria só uma impressão frágil? Será que se esquece tudo de uma hora para outra, será que o pensamento se perde no corpo, dissolve-se e vira parte de átomos, sangue ou neurônios – se comunicando durante o tempo de vida? Esqueci e ponto. Ficou branco nos meus dedos, nas minhas vontades, esqueci e era assim, não sei o que falar ou mentir, não, não, eu não quero mais mentir. Chega, apenas esqueci o que diria (acho que na verdade só enrolaria vocês mais uma vez, pois sou uma bosta de enrolador - e apenas isso), o que nós fazemos, quando não lembramos das coisas? Das datas, de um dia especial, de uma sensação? Aí é que percebemos que não somos quase nada. Sério. Podemos esquecer uma vida inteira de uma hora para outra. Do que adianta vivê- la, então?
"boy, you gonna carry the weight for long time"

terça-feira, 24 de junho de 2008

Diálogo

(...)

- Tenho tido azar. Estou numa situação delicada. Fui casado muito tempo. Achei que viveria melhor sozinho e foi ótimo. É excitante, mas solitário também. Eu deveria ter ido atrás de você, assim que a conheci, mas não. Acho que o motivo foi que tive medo porque despertou sentimentos verdadeiros em mim. E fiz outra besteira. Mas vou desfazer. O que fará amanhã?

- Isso é você, ou o seu romance?

- Amanhã vou estar bem, juro.

- Não quero causar problemas a ninguém.

- Claro. E você e o David?

- Já disse a ele que preciso de alguém que me domine e não acho que ele consiga. Todo cara que saí comigo acha que vai me fazer ser fiel. Portanto, fique avisado...

- Não me assusto tão facilmente.

- Estou dizendo, não me conhece.

- Conheço, escrevi sobre você. Você foi o obscuro objeto de desejo nos meus livros. Um fracasso. Por culpa minha. Mas conheço bem, até demais.

- Não se engane. Não sou sua personagem.

- Estou dizendo que a inquietude, a inconstância e a imprevisibilidade com que tem magoado os outros, e, amor, você tem magoado, acabaram hoje.

- Como pode estar tão confiante? Ou estará com medo?

- Não sou David. Criei você duas vezes na minha imaginação. Escrevi sobre você antes de saber que existia. Só que eu sabia que ia conhecê-la.

- Hum...Diga o que estou pensando.

-“Queria que ele calasse a boca, e me beijasse”

- Mas chegou atrasado.

- Não cheguei, a hora é essa. Mas por que beija-la aqui, se o seu apartamento fica perto?

- Como sabe disso?

- E eu não ia saber onde você mora?

- Você foi Steffi no meu primeiro livro e Louise no segundo. E agora...você é Nola.

Beijo

(...)

Diálogo extraido do longa “Celebridades” de Woody Allen. É minha parte favorita do filme, acredito que consegue falar sobre uma coisa que todos nós fazemos em algum ponto da vida: a idealização. É claro que o filme exagera, quando o protagonista diz que a criou duas ou três vezes em seus livros. É uma analogia para o que fazemos em nossas mentes, criamos mundos, vontades, pessoas. Brincamos com nossas maiores dores, ou aquelas que podem se tornar as maiores dores. É verdade, sou rei disso, sempre fui, mas ando aprendendo a controlar a imaginação chata. É o velho embate entre racionalidade e emoção, medo e coragem, vontades díspares que brigam sempre, que se machucam sempre.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

quietude

Já estava acostumado com o silêncio do pai, não se tratava de uma quietude plana, rasa; era como se várias palavras flutuassem entre seus corpos, anulando-se. Não foi bem um som vocal que cortou a monotomia (não tão monotomia) no carro, lá fora uma moto passava buzinando, driblando o gol azul claro, quase cinza (antes azul marinho tão forte, antes tão certo). O pai vela estourada, chama sempre forte e quase nunca aberto, pressionou o pé direito e cegou o carro. E cegou o filho também, que estava ao seu lado, quieto, gesticulando com as mãos tudo que não conseguia dizer. Cruzaram o asfalto cinza com faixas amarelas, a moto mais rápida, mais sinuante, mais desconfortável. Pai não desistia, perdeu a cabeça, ele pensava, por que ele sempre perdia a cabeça? Fechou os olhos para não ver nada, desistiu, a quietude é assim, tornou a abrir esporadicamente, pode ver o desespero da moto, cruzando o sinal vermelho, mas não viu (pois fechou os olhos na hora, como uma criança idiota e com medo) o caminhão atravessando a carne, atravessando as ferrugens, manchando o asfalto.

domingo, 15 de junho de 2008

Experimentações

Se as pessoas fizessem apenas o que gostassem, como seria o mundo? Barulhento, louco e um ótimo lugar para se morar certamente. Cada indíviduo, singular, cada partícula do seu átomo explodindo a todo o tempo, como fogos de artfício no céu, todas caindo despencando exageradamente aaahhhhhhhhhhhhhhhh, assim, tudo. Livre arbítrio puro, a vida surgindo da forma mais abrupta, escancarada e avoada. Seríamos totalmente livres nas frases, nas palavras, nas relações, mas tudo isso é muito difícil de se fazer. Essa idéia não deve ser tratada como algo anarquista bitolado, não mesmo, tem que ser puro, compartilhado, tem que se fazer música, tem que se fazer literatura para julgar essas idéias, respeitar as sentenças. Seria tudo muito mais intuitivo, sonoro, auditivo, sem padrões, ou porras de paradigmas, tudo explodindo, cheio de música sem vírgula sem pontuações sem medo sem morte com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida

sexta-feira, 13 de junho de 2008

desconexado

-Queria um mundo assim: quieto, meu, a música batendo nas paredes e ecoando profundamente no poço mais lírico e sentimental que minha alma pode encontrar.

-Que coisa rosada, filha, nada é assim não, tira esses pensamentos flutantes da cabeça, e abra a porta. Abra, para a realidade.

-Eu até tentei já, mas é tão chato, quero ver o mundo do meu jeito. Infestado de pronomes possessivos. Cheio de subjetivismo.

-Olha que tempestade vem, e leva teu universo. E fecha teu mundo, e tudo fica buraco negro; sem caminho, ou sem explicação.

-Quero fechar o planeta em minhas mãos.

-Quando deveria abri – lo para os outros.

sábado, 7 de junho de 2008

Paisagem Noturna

Todo mundo têm um duplo. É fato. Quer considerar minhas palavras irreais? É um direito seu, porém, estará se enganando. Não precisamos de espelho, refletimo-nos em nosso outro. Pode ser demorado de encontrar, ou ao contrário, pode estar mais perto do que o imaginado. É uma questão de percepção, de abrir horizontes. Acredito que encontrei meu duplo. Foi em um passeio de ônibus, à noite, quieto, todo mundo dormindo, só eu tentando me manter perto de mim e longe do ronco do colega ao lado. Acordado de madrugada é claro, como sempre. Eu, a música, o livro, e a noite. Quase três horas, quando olhei pela janela, o campo verde, a lua clara deitando sobre a grama, fazendo amor com as plantas, iluminando as malditas árvores, e a agitação do ônibus cortando a estrada cinzenta, que por sua vez me cortava também. Foi a paisagem noturna que me ajudou realmente a me enxergar. Pude me ver com outros olhos (ou com os olhos do outro), mesmo que infimamente. Acredito que meu outro esteja na noite, no cheiro dela, no modo como ela se espalha pelo céu fechando o sol, iluminando de um modo diferente as pessoas, quieta, insolúvel, necessária.

Já descobriram o seu outro?

sábado, 31 de maio de 2008

Teoria número cinco: sobre olho gordo e mau pressentimento.

Sempre que adquirimos alguma novidade - ou nos damos bem em uma situação -, nem precisa ser tão extraordinário, mas algo que apenas pule aos olhos dos outros, devemos ter cuidado. Qualquer coisa pode trazer inveja, mau olhado, agouro como diria as pessoas mais antigas (que má uso do adjetivo, mas...). Às vezes percebemos de longe, é como se o indivíduo exalasse um cheiro – coberto de pensamentos agoniantes, nervosos, medrosos, corrosivos, que descem a garganta, invadem o estômago e todo o corpo. E é isso que configura às vitimas, o que nomeio de mau pressentimento. Justamente a sensação de que algo ruim possa acontecer. Preste atenção, há certas pessoas que “liberam o mau agouro” em sua volta, influenciando os pensamentos, é a mais pura inveja do próximo invadindo o seu sistema circulatório. Pode ser a do amigo – mesmo que sem querer – que ao ver a pessoa, beneficiando-se de alguma coisa ou de alguma situação, não consegue sentir-se feliz por ela,;o que o toma é o impulso do mau agouro. Ou a inveja do inimigo, desenfreada, fatal, que certamente vai causar grandes estragos. Porém, como minha vó sempre dizia, contra o olho gordo nada melhor do que uma força interior forte. Talvez alguns talismãs também.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

correntes

Pedro veio tão nervoso, contando para Jonas o que acabara de lhe acontecer. “Saí do carro agora há pouco...eu tava fechando a porta, já tava meio escuro, final de tarde,o céu se fechando todo, sabe como é..?”. Jonas, largando a pasta na classe, respondeu com um movimento reto e vertical da cabeça, mudando vagarosamente o sentido (cima baixo, baixo cima), para seu conhecido que o tinha pegado de surpresa. “Pois é, foi aí então que um cara baixinho, um metro e sessenta, sessenta e poucos, não sei, chegou do nada, e perguntou se eu tinha fogo...”. Pronto. Jonas já imaginara o que acontecera: mais um caso de assalto. “Devem ter lavado o carro do Pedro” pensou de imediato. Não pôde deixar de exprimir um sorriso interno. Não gostava do conhecido, dividia o assento em dupla, pois era assim que um coordenador da faculdade tinha organizado, desse modo, teve que aprender a conviver com a presença daquela pessoa desajustada e insipiente. “Jonas!”, foi a exclamação de Pedro o que o acordou da divagação partidária. E logo prosseguiu “tá me ouvindo?”, “tô sim, continua...”. “então, como eu não fumo, respondi que não, que caísse fora, que pedisse para outra pessoa. Dae, ele fez um sinal para o meu pneu, para eu olhar. E depois com a mão esquerda, segurou uma corrente...” Jonas já não entendera mais nada. “ o baixinho pegou a corrente de aço e se enrolou nela, amarrou-se, forte, parecia ter uma dessas forças extraordinárias, ninguém viu, só eu. Ele se prendeu tão forte que desmaiou...fui checar as pulsações e batiam devagar. Tirei a corrente dele, e coloquei as no meu carro.” “ E ele? O que houve com ele?” Eu não sei o que aquilo era, depois que larguei as correntes no banco que estavam meio quentes, o corpo foi sumindo, desaparecendo, ao mesmo tempo em que a nuvem fechava o céu completamente.” Jonas estremeceu. Devia ser só mentira do amigo por conveniência. Acabou por instinto, tirando o caderno da sua pasta, depois que ouviu o sinal. A professora já iria chegar. Resolveu responder a história de Pedro apenas com um sorriso de canto, meio que desafiando toda a narrativa. Pedro parou e sentou-se, ainda meio agitado, espalhafatoso, pegou o lápis, mas não conseguia segurar, desistiu na terceira tentativa. A imagem do desaparecimento não o deixava relaxar. Jonas sentiu um cheiro de queimado, de canto novamente, olhou para Pedro, e observou algo brilhando bem fraco, soltou os olhos completos para cima e pode ver o metal da corrente na cintura de Pedro, amarrando o conhecido, prendendo, pouco a pouco, tudo nele.

Na rua.

Li em um jornal popular recentemente (acho que hoje ou ontem, talvez – minha cabeça anda perdida pelo caminho das aulas e do trabalho) que o número de pessoas sem teto em Porto Alegre, mais do que triplicou em de doze anos. São cerca de mil e setecentos mendigos caminhando pela capital Gaúcha. Quase dois mil fantasmas perdidos por aí, sobrevivendo na servidão marginal das ruas, na parte escura do dia; à sombra das árvores e à beira da sociedade burra. E ainda há pessoas que sentem nojo, e que, ainda por cima, falam coisas inexatas como: “só não trabalha, porque não quer”. Claro, há muitos empregos disponíveis no mercado para pessoas que não possuem escolaridade, e experiência. O ser humano vem cada vez mais me desapontando, embora eu teime em confiar em suas investidas, em dar mais uma chance as suas palavras. Por mim, as coisas seriam iguais àquele mundo perfeito e idealizado, sabe? Todo mundo com os mesmos direitos, felizes com sua moradia e seu prato na mesa. Sinto -me mal por não fazer nada. Por estar quase zero graus e eu sentado aquecido em frente ao computador, escrevendo sobre o problema de seres humanos na rua. É tão falso.

Obstáculo 5

Há tantas coisas diferentes ao redor de nós. Uma parede falsa, beijos mentirosos, verdades que insistem em cair a toda hora (nas quais eu sempre acredito). Porém, o mais difícil de encarar é o modo de como nunca nos olhamos – ou fingimos não. Somos despercebidos, desapercebidos, por meio de ruídos comunicacionais dos lábios, das pupilas – ambas castanhas – , da pele. Mas não da vontade interna. Essa pulsa viva, acordada, ruindo-nos, naufragando as nossas ânsias, que de algum jeito, insistem em continuar querendo surgir entre os nossos meios, exalando pelas mãos. Sempre a droga do muro, o medo de tentar alguma coisa sem saber se terá sucesso. Tudo nos tranca, é impossível seguir em frente com o cadeado do silêncio chato (não o silêncio dos amantes, mas a quietude amarela, quase nojenta e prosaica de um elevador, ou de velhos amigos que não tem mais assunto). “A poesia é incomunicável. Fique torto no seu canto. Não ame.”, como diria Drummond, não faço coro ao mineiro, pois não sou de ferro – perco -me em besteiras diárias. Só queria dizer que os nossos olhos, eles sim, são incomunicáveis.

domingo, 18 de maio de 2008

Sete andares

Não era como imaginava. Eu não estava pronto, ninguém tinha avisado, não foi como em uma porra de filme de Hollywood, onde dá para prever o momento, e a fotografia, o cenário e as interpretações convencem você que é tudo um mundo irreal. Ao contrário, foi cru, como tirar um dente ao seco, sem anestesia, ou ter um filho no elevador, num carro, sem nada. Bem desse jeito que eu observei o seu cair, e o modo como dançava, tristemente, acabando o espetáculo para sempre. E eu vi sem querer, olha só, não sou daqueles que cuidam da vida dos outros, que não respeitam a privacidade, eu não, sou homem fechado e sempre fui. Vi sem querer ver, mesmo, acho que era para ser assim, sabe? Acho que era...acontece que fui do nada na janela, buscar o ar da noite, quieto, cansado do dia, e olho para o prédio em frente e vejo a dança dela. Sete andares, caindo com a noite, fechando a noite, sete drogas de andares dançando. Pensei que estava sonhando, ou algo assim, mas o seu baque, o barulho, forte e contido na calçada, acordou-me para a realidade. Deus, eu não sabia nem o nome dela, nem o nome dela...

domingo, 11 de maio de 2008

Sobre minha mãe.

A arreada, a divertida, a que fala pelos cotovelos, a que se irrita fácil, a que defende e bota boca contra o que acha errado.Tão diferente de mim, principalmente na personalidade, mas acredito que isso seja o essencial para apimentar meu caráter, tornando – me mais divertido, assim como ela é, assim como a energia que possui e transmite. Se meu pai me deu esse lado mais reservado, sério, minha mãe é ao contrário, ampla, diversificada. Brinco (toda brincadeira, toda bobagem, toda a mínima e insignificante frase solta tem o seu valor) dizendo que se o meu pai me passou o gosto pelo rock, minha mãe me transmitiu o lado pop, a música anos 80, a rádio ligada sempre na antena um, a vontade de dançar freneticamente que me surge às vezes. O nervosismo também, o fato de eu me importar tanto com coisas pequenas. O cheiro de cigarro dela, o café, a cebola misturada com o tempero do feijão, as palavras, as minhas desculpas, tudo misto na minha cabeça, as lembranças que se completam e se imitam, formando a minha mãe, gerando luz, gerando imagem, gerando, gerando.

Para Maria de Fátima
feliz dia das mães

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Teoria número quatro: sobre o eterno “re-re-re ciclo” da vida e as não mudanças.

Todo mundo já falou – ou notou – a repetição. Da vida, dos momentos, das sensações. Nada é novo. Ouso em dizer que tudo se origina de uma já pré-estabelecida idéia geral. Quantas vezes não nos encontramos em uma situação parecida e praguejamos contra ela, como se já soubéssemos a resposta desde sempre? Ou, ao contrário, temos consciência que erraremos, como de costume. Algumas pessoas nunca aprendem. Setenta, oitenta anos de vida é, em média, o normal, há aquelas que partem mais cedo, outras demoram mais a embarcar. Quantas vezes não caímos na rotina? A rotina é a vida, é o eterno reciclo, o eterno reinício das coisas: e nossos descendentes herdarão todas as nossas repetições. O modo como inclinamos a cabeça para observar o movimento, como ficamos brabos com alguma situação idiota. A rotina é genética, os movimentos repetidos, a cultura demasiadamente imposta, todas essas coisas estão nos genes, nos fenótipos e transmitimos para os futuros representantes da terra. As crianças são os futuros da nação sim e, por isso, as coisas nunca mudam.

obs: vou postar duas teorias em Maio, visto que mês passado não me deu tempo de escrever essa.

Obrigado por lerem o blog!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Ao Anônimo, com carinho.

Olá, pessoa que tem medo de mostrar o rosto. Toda a espécie de crítica é bem vinda, aliás, antes de tudo, acredito que meu maior crítico seja eu mesmo. Vou explicar a proposta do contagens, uma vez que você parece não ter entendido: não quero simplesmente informar para as pessoas um fato, no post em que você comentou, por exemplo, era o dia do índio, e eu queria refletir sobre eles. Essa é a palavra chave: reflexão. Eu poderia simplesmente ter dito tudo na seguinte frase: “Pessoal, hoje é dia do índio e olhem em volta, quantos deles estão espalhados e perdidos da sua tradição.” Porém, não é o que gosto e nem como quero fazer. Ao mesmo tempo em que escrevo quero também esconder tudo, como se houvesse dois textos em um só (tem algo a ver com significado e significante, que começou lá na grécia com o sócrates, mas para você ninguém entende os pensadores gregos, não é?). Minha proposta nisso é bem simples: tentar fazer o leitor pensar. Pensar mesmo. E para fazer isso, proponho-me a tudo que a língua portuguesa possa oferecer. Não é enrolação, pois todas as palavras estão no texto com o objetivo de criar a sua unidade temática..Sabe? Enfim...só queria que mostrasse o rosto, ninguém aqui vai bater em ti, nem nada. É uma democracia sabe.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Obstáculo 4

É o silêncio que me incomoda. Simbolizado pelo fato de eu não conseguir dizer as coisas (tudo mesmo, o medo mais enrustido, a verdade mais crua) e por meio do jeito como nossas expressões estão cada vez mais cansadas. Desaparecidas nesse universo, por entre cada pedaço de confusão mantida inerte sob o nosso corpo. A droga de árvore genética da quietude. Meu vô quieto , meu pai quieto, meu filho quieto. Nunca esquecerei os olhares para mim, aqueles que surgem quando devo as palavras – e me falta o ar para relatá-las. É o silêncio que me incomoda...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................É o silêncio que me incomoda................................................................... E meio vazio ainda, assim por só, vou me definindo sagrado entre tantos próprios, ancorado nessa canção que um dia foi de nós muito mais que o vazio, muito mais que.......... (e o resto é silêncio).

sábado, 26 de abril de 2008

sadismo

“ela me cobrou cinqüenta reais”, soltou evandro para paulo durante um bate papo descompromissado no elevador. “cinqüenta reais, a vagabunda, esse deveria ser o seu apelido, cinquentinha, cíntia cinquentinha”. paulo só ria, puro sorriso amarelo, quieto no canto, desejando que o elevador tivesse uns 100 metros quadrados de área. mas não. tinha que se contentar com o quase metro que o separava do conhecido. “que putinha, cara, que putinha, mas cobrar cinqüenta reais, a bagaceira não tem gabarito, a bagaceira não tinha gabarito...” , soltando tudo para fora. metido no seu terno engomadinho, a gravata preta, o óculos falso sério, evandro era um sádico. paulo era quieto. e só ouvia. até o décimo sétimo andar. “olha só vou te contar, cara, vou te contar tudo, foi bem assim..”, enquanto ele arrotava as palavras, paulo procurava não as entender, queria fugir na próxima parada, descer com a vertigem. porém, sabia que era perseguido, rastreado pelo colega, que, apesar de tudo, tinha o dom de colocar as palavras nos lugares certos. “morena, lisa, uma bunda, ahhhhhhhhh, cara, sem noção, mas não tinha gabarito de cobrar cinquentinha, ah, cíntia cinquentinha, cíntia cinquentinha!”. por azar de paulo, os dois encontravam-se sozinhos num elevador de capacidade de 600 quilos. pelo menos não passaria vergonha pública. evandro gesticulava, fazia poses, abria as mãos, brincava, o elevador era um grande palco, no qual ensaiava seu monólogo. faltando quatro andares para o fim do martírio, a porta resolveu se abrir, e o show foi interrompido por duas belas pernas. morena de sol, de saia curta e despreocupada. evandro agora parecia imitar paulo, ficando mudo também. quieto. os dois eram platéia, apreciando o espetáculo. em pleno silêncio. ela desceu logo em seguida, levando a quietude com ela. houve alguns segundos de marasmo entre os dois ainda, paulo já estava para descer, quando evandro o segurou forte pelo ombro, e perguntou com o conhecido sorriso sádico no rosto: e essa, quanto será que cobra?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

sábado, 19 de abril de 2008

Somos todos Verdes?

Basta uma pequena caminhada pelo centro de Porto Alegre para verificarmos os índios espalhados pelo concreto da cidade - tão reacionária obesa e factual. Atirados nos cantos das calçadas, sujos, atrasados e excluídos por uma divergência história de muitos anos e de muitos níveis sociais. O correto era sermos todos verdes, não? Prezar pela cultura dos povos que formaram nosso país, que a enriqueceram, moldando e tornando-nos mais bonitos também. Acabamos manchando a pura cor da folha brasileira com o vermelho mais covarde que pode existir – e que de certa forma circula em nossos corpos. Mas o verde também representa a eterna esperança, estampada nos jovens rostos índios que observo pela cidade. Eu só as vejo correndo de um lado para o outro, as crianças parecem felizes, morenas de cabelos lisos pretos, mais jovens que a minha irmã, ainda sorriem, mesmo com a cor vermelha as rodeando, mesmo com todo o concreto abafando o verde.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mas é diferente agora que eu estou pobre e velho

Já imagino a cena: daqui a vinte anos estarei sentado na sala assistindo a um programa de esportes no computador-televisão, e meu filho entrará em cena – talvez tele transportado por uma possível beleza tecnológica –, perguntando: “paiiii, quem é esse tal de Guga?”. E eu responderei no ato, vivamente: “é o melhor jogador de tênis que o nosso país já teve, eu o vi jogar, ahhhh, aquela época que era tão boa”, e então iniciarei uma maratona nostálgica com a recordação da minha adolescência, do cursinho, da faculdade, do primeiro dia de trabalho, da festa, das amizades perdidas, das mulheres. E repetirei comigo mesmo, “que época boa”. É uma premonição anunciada do que – provavelmente – acontecerá, e eu tenho tanto medo. Porque não consigo me ver, só posso dizer o que pensarei, mas não como serei. Talvez porque o futuro não exista de certa forma, porque todos nós somos presentes. Logo, vou ser eu mesmo agora que estará daqui vinte anos e lembrará do passado, e recordará também que previ isso. É um igual totalmente diferente, a consciência alternada e modificada sempre olhando para trás, aproveitando o presente e aguardando, ou construindo, o futuro. Mesmo pobre. E velho.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Eu nunca vou saber

“Ela não fala a mesma língua que eu” grita Raquel, enquanto bate na cama, bravamente. Depois olha para o seu cachorro ao lado da escrivaninha no quarto, quieto e de orelha abaixada, marrom, sincero, sempre sozinho. Talvez todos nós sejamos assim. Ao invés de continuar o espancamento imbecil contra seu leito, agora faz carinho no colchão, depositando o seu corpo inconformado na cama. Família é tão estranha, ainda mais para uma adolescente idiota de quinze anos. O cãozinho esfrega-se nos seus pés pequenos soltos, gravitando imerso no ar, para baixo, tudo para baixo. Segura o travesseiro meio grande demais, conformado demais, chora demais. Mas passa rápido, xinga a mãe com toda a raiva que guarda, depois explode de calma, vira brisa por aí, quase um sereno enxaguando as lágrimas no lençol. Chegada a calmaria, afana o cachorro com a mão, esfregando o focinho, depois desliza pelo seu pêlo cansado, calmo, reto e coeso. Ele chora feliz, solta a pata, vibrando o rabinho, iluminando o terreno do quarto. Seu terreno, o terreno dela. De repente ela se levanta em paz, séria, pega o seu batom vermelho, da terceira gaveta da escrivaninha e anda até o espelho, no qual se arruma todo dia antes de sair, e atira: “eles nunca vão entender nada”.

terça-feira, 8 de abril de 2008

"O horário é que nunca combina"

Todo mundo culpa o tempo. Coitado. Ele não tem responsabilidade dos nossos erros, das nossas incapacidades em resolver problemas. Dos afogamentos próprios. Eu sei que acabo comigo e tenho plena consciência dos meus atos, das minhas faltas de minutos, do correr das horas, dos passos apertados e raramente calmos. Talvez seja a modernidade, a vida adulta – por mais clichê que isso soe – mas as coisas (tudo, o gerúndio, a morte, a planta no chão, o asfalto) têm o seu caminho, a sua passagem. E a nossa função nesse dilúvio de situações é encontrar os raros momentos de reflexão. Suprir-se das pequenas coisas, as que ficam nas entrelinhas, as que permanecem sorrateiramente nos cantos. Todas elas pairam pelo ar, esperando ser captadas por nossos pensamentos coletores, que também voam por aí avoados vivos vidrados. Esperando se encontrarem, para dessa forma se completar, criando uma nova sensação, um modo puro, abrupto, sensível e, principalmente, tangível de se ver as coisas. Como se ligássemos a câmera lenta na vida.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Obstáculo 3

Adoro essa sua cara de imparcial, e o modo como os seus olhos se fecham quando está querendo acordar. E mesmo que eu não possa lhe ter, é com você que eu queria estar. Porque meu corpo reage de uma forma diferente a cada passo seu. Respira torto, amolece, desaba, destraí -se e perde-se no instante. E cada desalento que eu sempre assisto atento, também, me deixa mal. Embora as circunstâncias tenham nos separado pelo tempo eterno, é impossível perder você. E todas as coisas que lhe dizem. Num fluxo praticamente perfeito. E agora que você já está comprometida – e com tantas coisas. A vida, os filhos, as roupas, o marido, as conversas, as possibilidade. Todavia, sempre teremos os receios, os medos. Tudo que nos desuniu, de alguma forma nos une nos sonhos.

domingo, 30 de março de 2008

Do outro lado

Ninguém jamais saberá o que tem do outro lado da casa que não entramos. Da pessoa que não conhecemos. Das flores. Das nuvens. Do céu azul que termina no espaço e nunca acaba de acabar. Do medo. Da covardia, ou até da coragem impulsiva e retardada. Nunca adivinharemos o que há do outro lado da floresta, dos olhos, da vida, da morte, do ponto escuro na parede do teu quarto à noite. Das nossas vontades mais obscuras, da vontade de ficar e ter que ir embora. Nunca ninguém vai saber qual a resposta da cura do outro lado. De querermos saber do outro lado. Não há razão, apenas a curiosidade tediosa. Nunca ninguém saberá o que o escritor pensava e o que o leitor achava. O que o músico sentia e o que a música dizia. No que Buda acreditava.

Qual o seu principal outro lado?

quarta-feira, 26 de março de 2008

Teoria número três: sobre ressonância inter-pessoal e os olhares.

Imagine que eu e você somos amigos, talvez de longa ou de pequena data, porém em ambas as situações apresentamos um vínculo absolutamente forte. Simplesmente combinamos. E Então surge aquela sensação que ninguém sabe explicar, quando existem grandes laços: sentimos um pelo o outro. Medo, coragem, orgulho. E em certos momentos, até podemos adivinhar como o indivíduo agirá sobre algum assunto. Chamo isso de ressonância inter-relacional. Claro, quando convivemos rotineiramente com uma pessoa e criamos confiança, nossas atitudes também se aproximam, iludimos nossas vontades com a do seguinte, batemos de frente, entramos em acordo – mesmo que inconscientemente. São pré-nupciais combinados a partir das pausas, das palavras que não falamos, do sentido crucial de respeito. A ressonância aborda todas essas atitudes. As almas dos amigos se conversam, se brigam se perdem, se confidenciam. Mas continuam ali. E tudo isso é espelhado pelo olhar. É apenas um olhar com aquele seu melhor amigo, para dizer-se tudo. São os acordos estabelecidos pelo bate papo das almas. Nossas consciências se tocam, certamente, sofrendo influência da próxima, devido à afinidade. E tudo isso se mescla nos encontros dos olhos.

sábado, 22 de março de 2008

Mulheres

Algum ser superior deveria ter inventado uma enciclopédia - daquelas grandes, deslumbrantes – só com as características femininas. Não sei quantas páginas teria, mas aposto que sua atualização seria contínua e imediata. E todas as peculiaridades, as ruins as boas, as ótimas, as mais ou menos, estariam lá. Porém, existe uma singularidade que as une, de alguma forma: a capacidade de superação. Isto é, algumas podem demorar mais, sofrer tempo alongado por conta de algum episódio, mas pode ter certeza que elas se levantarão para vislumbrar o futuro novamente. Outras mais conscientes de si, já não perdem mais tempo com xurumelas, demasiados pensamentos; elas prontamente embarcam em nova aventura, retomando a estrada da vida. Não sei do que seria o meu mundo sem vocês, sem seus olhos, e as suas diversas cores que embelezam a superfície terrestre. Deixando mais bonito o meu jeito de ver as coisas também. A mulher é a melhor criação de Deus. E sabe por quê? Simplesmente porque tudo começa com elas e nada morre com elas. Nenhuma é igual, todas têm um jeito único de sorrir, de ficar sem graça, de ser louca, de ser divertida, de não parar de falar, de não falar nada, de dizer as coisas com os movimentos, de ar carinhos. De saber ser mulher, e ser assim, sendo inquestionável e crucial para todos.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Feliz Sexta Feira Santa.

Combinações, poucas coisas são mais cruéis que isso. Por quê? A resposta está no gosto da saliva na minha boca. Amônia, formol, não sei. Mas irrita o meu nariz, os meus olhos e todo o meu corpo, por que Deus foi morrer numa sexta feira? E por que a maldição de só comer peixes? Tenho uma rixa com eles, quando criança quase morri engasgado, minha angústia com a espinha presa na minha garganta é uma das sensações que carregarei para o meu leito de morte. Com todas as negações amorosas da minha vida. Não deveria ter inventado de comer uns pedaços daquele peixe, sua carne estava corrompida com uma substância que desconheço. E tudo que não conheço, dá-me certo medo, receio. Somente depois que percebi o forte cheiro que exalava da carne, larguei e a deixei no canto. Corri para o banheiro desejando desesperadamente o vômito, porém nada veio. Agora a dor de cabeça é a minha amiga, maldito peixe, e maldito dia, a sorte não veio ao meu encontro. Nunca mais como peixe.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Vibrações

Carina me olhava com uma atenção contínua, não retirava os olhos castanhos da minha pessoa. Houve um momento em que acreditava que eles já não eram mais dela, e sim meus - pareciam querer pular de sua órbita e cair na minha mão. De repente, ela saltou num pulo, em demasiada velocidade, sem suar por nenhum poro (aposto que nesse momento seu coração não acelerou, nem por um segundo), caminhava em forma de corrida, interna e externamente. Eu me encontrava paralisado, e posso dizer que as suas castanhas - agora com uma penumbra obscura - não desgrudaram do meu ser. Porém eu já não estava mais ativo, era como se visse meu próprio corpo de um lugar afastado, pairava quieto, afastado de minhas sensações térmicas ruins. Então eu a vi, pulando em cima de mim, destruindo meu pescoço. Sugando todo o meu sangue.

terça-feira, 11 de março de 2008

Claúdia Azul

Claúdia me olha atravessado, enquanto eu corto a rua. E eu não me canso. O céu pode cair agora, desabar e as estrelas pontudas, cintilantes claras e obscuras a terra cair e eu – sem ofensas a Deus – não vou nem bola dar. Mesmo que eu tenha que vasculhar no dicionário todos os vernáculos mais aproximados, tamanha beleza eu não vou encontrar. Claúdia branca, Claúdia ruiva, Claúdia misteriosa. Claúdia azul e sonora. Viva e repetida mentalmente. Uma conjuntura, toda ego e toda mundo, espalhada no meu corpo, revestindo minha pele e consumindo os meus pensamentos. O quadro dela me procurando, vistoriando os meus olhos, durante o meu trajeto me paralisou, cortou as funções recorreras e vitais. Claúdia minha, Cláudia Ruiva. Confesso que fiquei cego com aquela visão, mas não é o escuro que me tomou, e sim, uma claridade soberba me apresentando a um mundo - que eu não conhecia. Claúdia Azul e Claúdia Claúdia. Composição não terminada, obra regida e descaracterizada, compassos ritmados em um furacão, driblando o sonho e enfrentando a vida. E a rua. E a minha travessia.

Quem diabos é Rafael Gloria?

quarta-feira, 5 de março de 2008

A especialização da preguiça

As pessoas andam demasiadamente preguiçosas. Pelo menos desde que me conheço por gente (que expressão idiota, acho que só dei conta da minha presença aos quatro anos). Acredito que seja um fenômeno que vem se arrastando há tempo. E que tem tudo a ver com a nossa contemporaneidade. Ninguém mais consegue se concentrar por mais de dez minutos sem ser alvejado por vontades distantes, que permanecem escondidas no subconsciente, e prontas para aparecer na hora inapropriada. A culpa toda é da mídia, diria o pseudointelectual, acobertado de razões pelos resumos de livros que folheou. Não, amigo, eu diria. Não há “culpa”, há oportunidades. O mundo caminha, cada vez mais, para a completa especialização. Isto é, as pessoas desejarão - alguma coisa no cérebro imposta pela globalização ajudará - aprender somente sobre a sua área, logo em seguida um assunto nesse campo, e depois uma particularidade desse assunto. Se a década de noventa foi o auge do egocentrismo, esses primeiros dez anos do século 21 são a sua especialização. Somos experts em preguiça, em não ter mais força para ler mais de 20 linhas na internet.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

“Você fala para dentro.”

Não sei se foi natural ou se me convenceram, mas quantas vezes eu já escutei essa frase? É, sim, eu falo para dentro - e com orgulho. Várias pessoas não dialogam com o seu interior e parecem se perder todas. Porque é importante se conversar, não? Minha voz é muito manhosa, ela só fala bem com pessoas que a interessam, sabe. A articulação da boca é preguiçosa e desritmada para a conversa ( para outras coisas ela flui como uma sinfonia de BACH ), bem diferente dos meus dedos, ou das minhas idéias que de alguma forma parecem se encaixar perfeitamente, como arroz e feijão. Preto no branco. Frio e praia ( para mim sim, ué). Mas vou tentar mais abrir a boca, soltar mais a minha voz grave e pronta, porque é preciso agora, mas espero que ela soe tão bem quando internamente. Fora isso, é necessário falar com os seus pensamentos, entrar em conflito com as suas questões, reavaliar toda pequena decisão tomada pelo seu subconsciente mentiroso (sim, ele é). Falar-se e entender-se é fundamental para todas as coisas criativas e belas desse mundo.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Obstáculo 2

Já te falei dessa distância que há entre nós? Acho que é só entre nós mesmo, não a sinto com mais ninguém. É justamente essa capacidade que tenho de não terminar suas frases, de não conseguir premeditar algo óbvio. Pequenas coisas que atrapalham por completo toda a nossa integração. Nós já fomos mais ligados se lembra? Houve uma época em que segurava a minha mão e eu nem perguntava o porquê disso. Agora sempre me olha sem querer, desviando o pescoço. Quando me vê, dá passos largos, sussurrando baixo, para eu não ouvir. Não sei como acabou ficando assim, se a estrada que nós usamos leva sempre ao mesmo do mesmo, ao óbvio que canta as suas obviedades. Ah, e eu gostava tanto de fingir te ter. Me diz, como foi acabar assim? Esse seu jeito moleque, meio infantil e louca, divertida e engraçada, séria e chata, não dá para esquecer, por que foi acabar assim, droga, não?
Salve hoje à noite.
amanhã eu vou embora.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Teoria número dois: sobre falsas aproximações e amores fugazes

Já disseram que o universo está expandindo. E eu falo mais: todos nós estamos nos afastando também. Pouco a pouco, talvez, mas cada vez mais indo embora por completo. Não encaro mais as coisas como simples proximidades, as pessoas se conhecem, mas não permitem mais se aceitarem inteiramente. É triste, todos nós estamos ficando diferentes, sem saber respeitar isso. Vivemos em nossa visão simplória e pragmática da vida, cada pessoa é um planeta com as suas próprias regras e compromissos, não existe conferências inter-pessoais. E quando há, este é um dos caminhos para a verdadeira paixão: seja a amizade apaixonada, ou aquela paixão que aquece e desmonta o coração. Essas coisas que a maioria vive são amores fugazes que às vezes duram uma madruga, ou algumas músicas na pista de dança, ou de repente até anos (quantos ficam casados só por causa dos filhos?). Estamos acostumados com a falsa aproximação, talvez seja medo de se machucar, receio de ser aceito - quem sabe até por si mesmo. Eu cansei, sabe. Não preciso mais de falsas aproximações. A vontade que tenho é de puxar meu universo para perto, e olhar cuidadosamente a minha volta. Cuidar das pessoas. De todas elas.